terça-feira, 1 de junho de 2010

2100) “M” de Fritz Lang (1.12.2009)



Revi este clássico do Expressionismo Alemão, que o diretor considerava seu melhor filme, e que hoje é ainda melhor do que quando o vi pela primeira vez numa sessão do Cinema de Arte, no Capitólio, numa tarde de 1965. No meu tempo pré-cineclubista, eu era apenas um garoto que gostava de filmes de terror e de filmes policiais, e o título M, o Vampiro de Dusseldorf me atraiu. Ao deixar a sala, no fim da sessão, senti que tinha contemplado um sótão escuro e pouco ventilado da alma humana. Esse local insalubre nunca foi tão bem expresso quanto nos olhos aboticados e nas mãos convulsas de Peter Lorre, o “serial killer” que aterroriza a população de Dusseldorf. Chega um ponto em que os próprios criminosos da cidade decidem caçá-lo, prendê-lo, julgá-lo e condená-lo à morte, para que possam voltar a jogar em paz seu jogo de compadres com a polícia e os políticos.

O filme é tido como uma prefiguração do nazismo, em sua descrição da República de Weimar, corrupta e caótica, em que o crime organizado (Hitler e seus comparsas) acaba assumindo o poder. Pode ser visto também como um ensaio metafísico sobre o crime, em suas duas variantes: o crime de raiz social, que pode ser explicado por questões econômicas e sociológicas, e o crime de raiz psicológica, que permanece um mistério. Os bandidos em M mostram ter uma capacidade de organização e de controle burocrático tão boa quanto a da polícia; o submundo é apenas um microcosmo da sociedade burguesa. O socialista Proudhon dizia que “toda propriedade é um roubo”. O primeiro “crime organizado” é a sociedade em si, a sociedade dos cidadãos comuns, ordeiros, pacatos, trabalhadores, que fingem não saber que sua prosperidade e suas oportunidades na vida são decorrência da exploração criminosa das classes inferiores. A burguesia é a Máfia das máfias. Sociedade e crime organizado toleram-se mutuamente; os bandidos são uma espécie de cisto dentro do corpo social, que não se pode extirpar mas isola-se dentro de seus próprios domínios. O “serial killer” interpretado por Peter Lorre é aquele fator incontrolável, imprevisível, o crime que não tem raízes sociais, o crime contra crianças indefesas, e que nem mesmo o seu autor consegue explicar: “Não lembro de nada... Estou andando na rua e penso: Será que aconteceu de novo?... Será que voltei a fazer aquilo?...”

Numa longa entrevista a Peter Bogdanovich, Lang dizia que o título do filme vinha da cena em que um marginal, querendo marcar o assassino para melhor segui-lo, risca com giz uma letra “M” na palma da mão e aplica um tapa nas costas do suspeito, deixando o “M” impresso no seu sobretudo. E lembra: “Aliás, todos nós temos uma letra M gravada na palma de nossa mão”. O símbolo denunciador está em cada um de nós. Quem quer que seja tocado por nossa mão é um criminoso. É uma variante da “marca de Caim” descrita na Bíblia. No mundo claro-escuro de Lang, todos somos delatores e todos somos assassinos.

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