sexta-feira, 21 de maio de 2010

2064) Vivemos na Matrix (20.10.2009)



Desde que a humanidade existe que há pessoas tomadas pela sensação de que alguém criou nosso mundo, controla nossas vidas e determina o que vai nos acontecer. Vendo a complexidade do universo, a presença constante do Acaso, e a ocorrência de fenômenos quase impossíveis de acreditar, o homem pré-histórico olhou desconfiado para as estrelas e pensou: “Tem alguém lá em cima roteirizando esse troço.” Deu a isto o nome de religião, e passou a atribuir a esse Alguém tudo que via à sua volta, desde a germinação das sementes até os raios e trovões e os eclipses solares. A crítica mais básica que se pode fazer à crença em Deus é a de ser, sem dúvida nenhuma, a mais cômoda das explicações para tudo. “Deus quis”, e estamos conversados.

Como os cientistas não gostam de se dar por conversados mediante uma simples frase, ainda mais sem corroboração empírica, chegamos ao século 21 com uma quantidade espantosa de conhecimentos sobre o mundo da matéria, e com uma vacuidade igualmente espantosa sobre o mundo do espírito. Li uma vez uma discussão entre um cientista e um pastor em que o cientista pedia ao outro que lhe provasse cientificamente a existência de Deus; o pastor pediu de volta que o outro lhe provasse teologicamente a existência do átomo. As duas exigências são levemente descabidas, porque tanto a Ciência quanto a Teologia são edifícios conceituais erguidos para provar coisas totalmente distintas. Provar cientificamente a existência de Deus é um pouco como provar matematicamente o valor literário do “Dom Quixote”.

A Ciência nos ensinou milhões de coisas sobre a matéria, mas não conseguiu provar a hipótese Deus... nem também desprová-la. Não existe nenhuma prova cientificamente insofismável de que Deus não existe. No máximo existe uma “imensa improbabilidade”, mas não é científico considerar isto como uma prova negativa cabal. É neste cenário que retorna, nos mais materialistas dos pensadores, a sensação bigbrotheriana de que “estamos sendo controlados e observados por alguém”. O excêntrico Charles Fort (“O Livro dos Danados”) afirmou certa vez: “We are property”, somos cria de alguém, somos gado, somos uma espécie animal

A versão mais consistente e atual dessa paranóia é: “Somos o video-game de alguém”. Confesso de público que essa idéia me persegue há quase trinta anos, sem outra evidência para apoiá-la além da leitura de duas dúzias de romances de FC onde se diz a mesma coisa. É o que a esta altura podemos chamar “A Síndrome Matrix”, não porque os filmes dos irmãos Warchovsky seja o non-plus-ultra dessa discussão, mas porque o seu impacto popular o transformou num ponto de referência. Para abrir uma discussão a esse respeito, basta postular: “Vivemos na Matrix”, e todo mundo que viu o filme saberá do que se trata. Somos personagens deles, e Eles nos acompanham fascinados, porque não sabem o que pensamos, podem apenas (como um usuário de um game) ouvir o que dizemos e acompanhar nossas ações.

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