quinta-feira, 20 de maio de 2010

2060) Rio 2016 (15.10.2009)



Torci para que os Jogos Olímpicos viessem para o Rio. Torci porque queria ver a cidade comemorando alguma coisa. Nada é tão bom quanto o Rio comemorando. Alguns dos grandes momentos de euforia coletiva que já presenciei foram vividos nesta cidade, desde vitória na Copa do Mundo até comício das Diretas-Já, desde reveion em Copacabana até aquele famoso título carioca do Botafogo (o do gol de Maurício). Ao mesmo tempo, torci contra. Em parte por medo de uma desorganização catastrófica que tirasse de Atlanta o ouro de Jogos mais bagunçados das últimas décadas. E em parte porque, gato escaldado, sei que os Jogos Olímpicos servirão para fazer algumas centenas de novos milionários, e fim de papo.

O Rio é uma cidade que só merece coisas boas, mas o diabo é que também merece o ruim que lhe cai na cabeça, pois em geral foi ele mesmo quem buscou. O Rio é como um adolescente brilhante, inteligente, esperto, cheio de energia e de alegria de viver. O problema é que é também um adolescente vaidoso, daqueles que conversam com os outros olhando-se no espelho; um adolescente mimado, que gosta das coisas fáceis. Foi o Rio quem inventou o conceito do “jeitinho brasileiro”, aquele joão-sem-braço ideal para driblar a rigidez da burocracia, a obtusidade da lei, a frieza dos contatos impessoais. O problema é que o jeitinho descamba facilmente para a contravenção, a corrupção, o desvio, o desfalque, a lei-de-Gérson, o um-sete-um. Onde traçar a linha que separa as duas coisas? Impossível, pois não há uma linha, o que há é um centro-de-gravidade puxando os fatos para o lado da mera descontração e informalidade, e outro puxando-as na direção do calote e do estelionato.

O Rio é uma cidade de vocação hedonista, de viver com intensidade o momento presente e deixar que o futuro cuide de si mesmo. Ao mesmo tempo, a cidade tem um lado combativo, dinâmico, fazedor-de-coisas, que não a permite refestelar-se no “dolce far niente” da mera curtição. O Rio é uma cidade que gosta de fazer as coisas acontecerem. E uma cidade dividida (como um adolescente) entre o impulso de fazer e o impulso de fruir, entre o prazer de criar e o prazer de meramente consumir.

É engraçado a gente se referir assim a uma cidade, comparando-a a uma pessoa como se ela fosse uma coisa única, e não (como de fato é) um aglomerado de milhões de pessoas e milhares de grupos puxando mil brasas para mil sardinhas. Esta, contudo, é uma simplificação necessária para se lidar com entidades complexas. Uma pessoa não é muito diferente de uma cidade, pois uma pessoa também é um aglomerado de forças contraditórias, impulsos em conflito, hesitações, venetas, mudanças de rumo, teorias e práticas que entram em colisão o tempo inteiro. E mesmo assim dizemos que Fulano é um sujeito ponderado, Beltrano é um interesseiro que só quer se dar bem e Sicrano é um bom administrador. O Rio é a soma total de suas contradições, mas existe algo nele que sempre nos permite esperar pelo melhor.

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