sexta-feira, 14 de maio de 2010

2044) Arte ou Crime (26.9.2009)



A grande polêmica ideológica de 2017 foi o chamado “Crime da Bienal”, ocorrido na capital de um país latino-americano. No dia da abertura da Bienal de Artes local, um turista dinamarquês morreu ao intervir numa instalação do artista Luís Morales. A instalação consistia em uma sala, vazia à exceção de um pedestal de madeira branca com metro e meio de altura, sobre o qual estava pousada uma pistola Magnum, presa ao pedestal por um cabo metálico (aparentemente, para não ser levada embora). Na parede em frente, um espelho de corpo inteiro, e o letreiro: “Do You Want to Kill Yourself?”. Os visitantes empunhavam a arma, apontavam para sua imagem no espelho, faziam piadas, iam embora.

Uma hora e meia após o início da visitação, o dinamarquês Gunnar Svenstrom, de 43 anos, apontou a arma para a cabeça da própria imagem e puxou o gatilho. Para susto e terror das demais pessoas, houve uma explosão, o espelho voou em pedaços em todas as direções, e verificou-se que por trás dele, num pequeno cubículo, havia uma pistola idêntica, aparentemente guiada (em movimentos, pontaria, etc.) por um controle remoto embutido na primeira. Quando o gatilho de uma foi apertado, foi a outra que disparou, matando instantaneamente o visitante.

O artista foi detido (e liberado sob fiança), acusado de homicídio doloso, em que há intenção de matar. Seus advogados alegaram que o gesto da vítima foi voluntário, e que a pergunta escrita era advertência bastante, não configurando ordem, coação ou injunção de qualquer natureza. A promotoria contra-atacou lembrando que em momento algum foi informado aos visitantes que havia uma arma de verdade escondida por trás do espelho, e que a vítima, muito compreensivelmente, julgara que se tratava apenas da proposição de um gesto simbólico, sem consequências mais sérias.

Três dias depois, o artista fez publicar nos principais jornais da cidade uma carta aberta à população, onde dizia, entre outras coisas: “À Arte cabe comunicar-se diretamente com o Inconsciente dos indivíduos, explorar suas pulsões, cristalizar conflitos, catalisar desfechos. A pergunta formulada em minha instalação foi respondida negativamente por todas as pessoas que ali passaram, precedendo o suicida. Vários empunharam a arma; nenhum puxou o gatilho. Que melhor demonstração de livre-arbítrio? Se o suicida disparou a arma, foi um gesto brotado das profundezas tectônicas de sua psique, foi um vigoroso SIM!, que ele pronunciou no deliberado e consciente gesto de apertar o gatilho. Cabe à arte desvendar e corporificar o destino individual dos que concordam em penetrar seu templo e submeter-se aos seus ritos. Uma sociedade como a nossa, que acaba de legalizar a eutanásia médica, não pode tratar com outro peso e outra medida a eutanásia psico-estética”. Pode ser sinal dos tempos, mas o fato é que Morales foi absolvido, em primeira instância, por 9 votos a favor e 3 contra.

Nenhum comentário: