quinta-feira, 29 de abril de 2010

1967) Antonio Cândido e as frivolidades literárias (28.6.2009)





(Antonio Cândido)

Jornalistas gostam de elaborar listas dos “Dez Melhores do Ano”, construir tabelas comparativas, item por item, entre dois tipos sociais (“O Carioca x O Paulista”, “O Conectado x O Gutemberguiano”) ou fazer pequenos testes de trivialidades: Em que filme de Hitchcock ele aparece através de uma porta envidraçada? Qual o diretor famoso que faz uma ponta em Contatos Imediatos? Qual o livro de poemas que Anna Karina está lendo em Alphaville?

Uma função dessas brincadeiras é serem brincadeiras mesmo, atividades sem utilidade prática realizadas num contexto de pouca tensão. 

Outra envolve um certo exibicionismo: quer apostar que eu sou mais bem informado do que você, conheço mais detalhes sobre algo que nós dois apreciamos? 

Outra envolve esse fetichismo inocente de quem sente prazer em extrair, de uma obra que lhe dá prazer, a derradeira gota de significado ou de informação, por mais irrelevante que seja.

Em seu livro O Albatroz e o Chinês, num ensaio intitulado “Dos livros às pessoas”, Antonio Cândido faz uma comparação entre as personalidades e os estilos de Machado de Assis e Eça de Queiroz, e relembra seus tempos de estudante e jovem intelectual, num ambiente – princípio do século XX – que comparado ao mundo de hoje é de uma notável sobriedade. Ainda assim essas atividades um tanto frívolas não eram estranhas aos leitores da época. Diz Cândido:

“Machado era menos lido, menos conhecido e menos estimado. Sobretudo, menos incorporado aos hábitos mentais. De fato, muitos sabiam de cor trechos dos livros de Eça e os seus personagens eram comentados como gente viva. No ginásio e na universidade fazíamos estes testes divertidos de conhecimento, como: 

"Quem, e em que romance, é visto com seus bigodes louros no fundo de uma frisa? Qual o personagem cujo alfinete de gravata é um macaco comendo uma pera? Qual a cor da gravata de André Cavaleiro quando jantou pela primeira vez na casa dos Barrolos? Que autor Jorge está lendo no começo d’O Primo Basílio? 

"Machado nunca teve esse tipo de popularidade, por ser menos pitoresco e menos aberto, o que não quer dizer que seja maior ou menor. É uma questão de naturezas literárias diferentes que tornam difícil a avaliação comparativa, como também nos casos de Stendhal e Balzac, Dostoiévski e Tolstoi, Proust e Joyce”.

Esta pequena rememoração dá um perfil curioso da época da juventude de Cândido. Vê-se que os romances de Eça não apenas eram lidos em grupo – ou seja, todo mundo lia os mesmos livros no mesmo tempo – mas eram relidos, quase que decorados, a ponto de ser possível fazer perguntas com esse grau de minúcia, pois se alguém as fazia era porque sabia a resposta, e porque confiava que algum outro leitor as saberia também. 

Uma brincadeira inconsequente que hoje em dia se repete no âmbito de livros como os da série Harry Potter ou O Senhor dos Anéis. Literaturas que despertam o impulso lúdico e afetivo, tanto quanto o intelectual e analítico.





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