segunda-feira, 26 de abril de 2010

1959) O gênio e o caos (19.6.2009)




Leonardo da Vinci é considerado um gênio por causa de suas pinturas e de suas descobertas científicas e tecnológicas. E no entanto isto representa uma fração ínfima do que ele fez em vida. 

Leonardo encheu de anotações centenas de caderninhos que ele mesmo fabricava e levava consigo para toda parte. A tradução e publicação desse material tem sido um passatempo de pesquisadores, há séculos. 

Leonardo produziu uma dúzia de obras de grande porte e milhares de pequenos fragmentos, anotações, lembretes, começos de obras que nunca eram concluídas. Foi chamado “o rei da procrastinação”, da arte de interromper uma tarefa urgente para se dedicar a uma trivialidade qualquer, uma atividade sem importância.

Num ensaio famoso a seu respeito, “Leonardo da Vinci e uma Recordação da Infância”, Freud analisou essa fragmentação da atenção intelectual de Leonardo, relacionando-a com traumas de infância, a ausência do pai, fixação erótica na mãe, etc. 

A análise de Freud é brilhante e pesquisadíssima (ele dá sempre a impressão de ter lido tudo sobre o assunto). Mas um artigo recente de W. A. Pannapacker (em: http://tinyurl.com/dmj74r) sugere que, independentemente de sua origem, a procrastinação e o gênio de Leonardo eram uma e a mesma coisa. 

Para ele, “a mediocridade produtiva requer um tipo banal de disciplina, porque é segura e não ameaça ninguém”. E essa mediocridade é o contrário do que chamamos “gênio”. 

Ser medíocre é ser capaz de executar, no tempo adequado, tarefas banais. “Mas o gênio”, diz ele, “é descontrolado e incontrolável. Não se produz uma obra de gênio de acordo com um cronograma ou um projeto. Como Leonardo bem sabia, as obras de gênio surgem através de inspirações aleatórias que resultam de combinações imprevistas”.

A definição é brilhante porque mostra o terreno perigoso onde caminha o gênio. A mediocridade acerta em 99% dos casos. O gênio tem a probabilidade de errar numa proporção semelhante. 

O gênio é sempre um risco, porque é uma entrega ao caos criativo, ao improviso, ao imprevisto, ao descontrole. É quase certo que dê com os burros nágua. Quando, por uma feliz combinação de circunstâncias, tudo se encaixa satisfatoriamente, temos a “Mona Lisa” ou a “Última Ceia”. 

O gênio não elimina a necessidade de preparação, trabalho árduo, estudo. Mas tudo isso é voltado numa direção imprevisível, geralmente (no caso da criação artística e da descoberta científica) tomando caminhos por onde ninguém se aventurou antes.

Diz Pannapacker: 

"A vida acadêmica está cheia de gênios em potencial que nunca realizaram o que queriam porque havia muitas coisas a fazer primeiro: projetos de pesquisa, preparação de conferências, livros, artigos... Nada disto foi livremente escolhido. (...) A procrastinação revela as coisas para as quais temos um verdadeiro dom. Ela nos arrasta para as coisas que, de fato, queríamos fazer”.





Um comentário:

Anônimo disse...

Nunca parei para pensar no fato de adiar os trabalhos ou projetos como Leonardo fazia pudesse às vezes dar a estes tais destinos. Muito engenhoso raciocínio.
(aliás o link que foi fornecido no artigo não leva mais à página do artigo original do The Chronicle)
Mas Da Vinci foi uma das pessoas mais "macabras" da história. Da miríade de histórias e boatos que já ouvi ou li sobre ele, estava o de incluir erros elementares em seu projetos de maquinas e outros instrumentos para que, em caso de serem roubados ou plagiados, levassem consigo as falhas porpositais e caso viessem à luz da realidade não funcionariam em suas funções práticas. Somente o próprio Da Vinci sabia onde estava o "erro" e como consertá-lo. Parece que foi assim que varios de seus inventos chagaram até nós.

Ótima postagem e até mais!