sexta-feira, 23 de abril de 2010

1946) O livro de Obama (4.6.2009)



Li com atenção e proveito o livro de Barack Obama Dreams from my Father, já traduzido aqui como A Origem dos meus Sonhos. Em geral não ligo para livros escritos por políticos. Acho que quem os escreveu foi um ghost-writer qualquer, contratado a peso de ouro. Duvido que Bill e Hillary Clinton tenham sentado ao teclado para escrever suas autobiografias recentemente editadas. Não os estou chamando de burros. É porque é uma gente muito ocupada. Se tivessem tempo e sossego talvez produzissem livros razoáveis. Mas não têm.

Quem os tinha era Obama na época em que produziu seu volumezinho de memórias. Acredito que ele próprio o tenha escrito, porque o livro saiu em 1993, quando ele tinha 33 anos, era advogado, e trabalhava com comunidades carentes na área de Chicago. A oportunidade do livro surgiu quando foi eleito presidente da Harvard Law Review, uma publicação universitária tradicional, que jamais tivera um presidente negro. Barack nem sonhava em entrar para a política partidária, quanto mais tornar-se senador e presidente.

Suponhamos então que o livro foi mesmo escrito por ele; não é improvável. (Já não digo o mesmo de A Audácia da Esperança, publicado depois de sua entrada na política). É um livro cheio de observações detalhistas que denotam um olho agudo, uma percepção intuitiva e atenta das emoções, uma disponibilidade em examinar com critério de adulto acontecimentos da infância e da adolescência, sem soterrá-los com explicações ou justificativas. Obama narra sua infância, retrocede para narrar o encontro de seus pais, um estudante negro do Quênia e uma estudante branca do Kansas, que se casaram no Havaí. Descreve o desconforto gradual de um negro numa sociedade branca, num jogo onde, diz-lhe um negro mais idoso, “eles fazem as regras, e, quando você aprende a jogar pelas regras deles, eles mudam as regras”.

O livro de Obama, se não fosse escrito pelo atual Presidente dos EA e sim por um escritor negro obscuro, já seria um documento revelador sobre a situação racial nos EUA – e também no Quênia, país onde, no terço final do livro, ele vai em busca de suas origens e de sua família paterna. Seu livro é (como o Chronicles, de Bob Dylan) uma memória romanceada. O autor lembra uma manhã de 20 anos atrás e descreve as nuvens do céu e o pássaro que estava cantando, registra a cor das roupas de uma pessoa vista num café, descreve os cheiros que sentiu.

Livros assim, mistura de lembrança e reinvenção, revelam nossos processos mentais de evocar memórias. Metade do que lembramos está sendo improvisado no momento da lembrança; e da próxima vez que lembrarmos aquilo, já lembraremos o fato misturado ao que estamos improvisando agora. Quanto mais lembramos uma coisa, mais o presente modifica o passado. Ironicamente, quanto mais recordamos um fato mais nítido ele fica, e mais distante do fato que ocorreu. Quando nossa memória fotografa algo, deleta o objeto, e guarda apenas a foto.

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