quinta-feira, 22 de abril de 2010

1938) O mundo de Don Luís e Nelson (26.5.2009)



O mundo cinematográfico de Luís Buñuel e o mundo teatral de Nelson Rodrigues são tão primos e tão próximos que parecem uma coisa só. Parecem obras de um mesmo autor, que por problema de contrato escrevia parte do seu material sob pseudônimo. Os dois são representantes típicos daquela geração de homens atormentados que viveu no começo do século 20, indivíduos encharcados de catolicismo, moralismo, sexualidade e culpa. Esse pessoal viveu num mundo muito diferente do mundo de hoje, onde vigoram a permissividade sexual (desde que vinculada ao entretenimento e ao comércio) e o erotismo-por-atacado em que cada veículo procura ser mais explícito do que o vizinho.

Nelson dizia: “Sou e serei sempre um menino espiando pelo buraco da fechadura”. (Não há como não lembrar da cena de Buñuel em El, o Alucinado, em que uma mulher entra no quarto para trocar de roupa, olha para o buraco da fechadura, e enfia ali com rapidez uma longa agulha, para vazar o olho de um possível “voyeur”). A tentação do mistério, do proibido, do pecaminoso, coloria as fantasias sexuais do dramaturgo pernambucano-carioca e do cineasta espanhol. Para eles, o sexo vinha sempre carregado de transgressão, de blasfêmia, de pecado, de ameaça de ir para o inferno.

Os dois tinham uma religiosidade cheia de conflitos, bem expressa na frase famosa de seu quase contemporâneo João Cabral de Melo Neto: “Não acredito em Deus mas tenho medo do inferno”. É uma religiosidade sem êxtase, sem epifanias e sem transcendência, uma religiosidade da qual tudo se evapora na descrença, menos o não, a proibição, a culpa, a condenação eterna por causa do pecado mortal. Uma religiosidade triste e sem esperanças, que nada lhes deixou de bom. Nem mesmo no plano moral, porque todo esse terror e essa tortura nunca os impediu de pecar desbragadamente, tanto na vida quanto na obra.

Buñuel diz que na Espanha de sua juventude só havia dois ambientes possíveis para o sexo: o bordel e o casamento. Diz ele: “Os homens da minha geração, e além disso espanhóis, sofriam duma timidez ancestral relativamente às mulheres e dum desejo sexual que era talvez o mais forte do mundo. Quando esse desejo, desrespeitando todas as interdições, conseguia ser satisfeito, causava um prazer físico incomparável, porque se misturava sempre com a alegria secreta do pecado. Sem sombra de dúvida que um espanhol tinha um prazer superior ao copular do que um chinês ou um esquimó”.

Quanto mais inatingível a mulher, mais desejável. Buñuel narra suas fantasias eróticas com a Rainha da Espanha, com a Virgem Maria, com a própria mãe. E diz uma das frases mais libertadoras do seu credo pessoal: “Foi apenas por volta dos sessenta ou sessenta e cinco anos que compreendi plenamente e aceitei a inocência da imaginação. Foi preciso este tempo todo para admitir que o que se passava na minha cabeça só me dizia respeito a mim”.

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