sexta-feira, 16 de abril de 2010

1923) “As Veias Abertas da América Latina” (8.5.2009)



O mundo globalizado é uma graça. Durante a recente reunião da OEA, o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, que é mais ator do que Ronald Reagan e mais camelô que Sílvio Santos, deu um jeito de se aproximar do presidente Obama e oferecer-lhe um livro: As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano. O resultado mais imediato disto é que as encomendas do livro na Amazon Books dispararam, e a obra de Galeano já está em 95o. lugar entre os mais vendidos. Coisa que o nobre coleguinha uruguaio provavelmente jamais imaginou, embora mereça, e muito.

As Veias Abertas... é uma mistura de crônica surrealista, manifesto político e reportagem histórica. Galeano conta, baseado em milhares de documentos, a história do carnaval que as empresas européias e norte-americanas fazem em nosso continente desde que Colombo arriou âncora. São quinhentos anos de invasões, chacinas étnicas, extração brutal de riquezas vegetais e minerais, abusos colonialistas, repressão impiedosa de movimentos populares, ditaduras corruptas financiadas por investidores estrangeiros. É um dos livros mais aterrorizantes que já li, porque num momento parecemos estar lendo um daqueles delírios tropicalistas de Glauber Rocha ou de Astúrias, e no momento seguinte nos convencemos de que tudo aquilo aconteceu, está nos livros de História dos respectivos países, só que narrado noutro tom, dando outro viés aos fatos e outros adjetivos que protagonistas.

Galeano é, além de grande jornalista, um estilista capaz de nos fazer ler e reler uma história angustiante apenas pela beleza das frases. Nos anos 1970 li seus livros Vagamundo e A Canção da Nossa Gente interessado na análise política que ele prometia. Reli ambos apenas para saborear os parágrafos brilhantes, as frases cheias de observações agudas do caráter humano, das ambiguidades da luta política, das incertezas e desesperos do amor entre homem e mulher.

Em cada página do livro encontramos episódios surrealistas que parecem inventados por Garcia Márquez. Como este (pag. 178): “E cinco meses antes, no Cañadon del Arque, o helicóptero do general René Barrientos tinha-se chocado contra os fios do telégrafo e ido a pique. A imaginação não teria sido capaz de inventar uma morte tão perfeita. O helicóptero era um presente pessoal da Gulf Oil Co.; o telégrafo pertence, como se sabe, ao Estado. Junto com Barrientos arderam pastas cheias de dinheiro que ele levava para distribuir, nota por nota, entre os camponeses, e algumas metralhadoras que logo pegaram fogo e começaram a regar uma chuva de balas em torno do helicóptero incendiado, de tal modo que ninguém pôde chegar perto para resgatar o ditador enquanto se queimava vivo”. O livro está cheio de episódios assim – surrealistas, simbólicos – coisas que um leitor norte-americano médio talvez não acredite. Mas o presidente Obama tem um pé no Quênia, e sabe que tudo isso pode não ser realista mas é real.

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