quinta-feira, 15 de abril de 2010

1916) Eldorado e Juventa (30.4.2009)



Eram dois os mitos principais que atraíam conquistadores portugueses e espanhóis para as florestas, para os platôs, os cerrados, as cordilheiras e os sertões da América recém-descoberta. O primeiro era o Eldorado, a cidade fabulosa cujas ruas eram calçadas com pedras de ouro. O segundo era a Fonte de Juventa, onde brotava uma água que dava vida e juventude eternas a quem a bebesse. As ramificações literárias dessas duas idéias encheriam uma biblioteca estadual. Claro que nenhuma das duas nasceu com a América, e nas mitologias grega, nórdica, etc. encontramos suas versões beta. Mas ressurgiram como mitos tropicais da era do descobrimento. E se fincaram em nossa memória cultural.

Estão na literatura por toda parte. O País da Cocanha de Voltaire, em Cândido e o País de São Saruê de Manoel Camilo dos Santos, em seu cordel clássico, são versões diferentes do mito da riqueza a-dar-com-o-pé, dos torrões de ouro espalhados pelo chão, da fortuna banalizada porque inesgotável – mas que voltaria a ser fortuna se trazida para uma Europa depauperada pelos marajás da monarquia. “O Imortal” de Jorge Luís Borges fala de um rio cujas águas dão a imortalidade a quem as beba, e restituem a morte a quem conseguir reencontrá-las e beber de novo. É o mesmo prodígio proposto pelo suco do pajé em “O Imortal” de Machado de Assis, que foi visto pela crítica como uma sátira à homeopatia (“similia similibus curantur”, ou seja, um pouco mais daquilo mesmo produz o efeito contrário ao efeito inicial), e depois por Coelho Neto em Imortalidade (1925).

Uma cidade com ruas calçadas e ouro. Uma fonte cujas águas dão a juventude eterna. Eram mitos independentes, mas complementares. Porque - de que vale um sem o outro? De que valeria a riqueza inesgotável para um conquistador cinquentão, consumido pelas batalhas, enfraquecido pelo escorbuto e pelas doenças venéreas? A riqueza não traz a saúde nem mesmo hoje, como todo o nosso aparto high-tech, quando mais no século 16. Por outro lado, de que valeria a juventude eterna aliada à pobreza, à raiz plebéia que impedia a ascensão social num mundo de aristocratas? Ser miserável para sempre não é um bom prospecto, e mesmo que indivíduos mais aguerridos pudessem usar essa prazo-de-validade-indeterminado para tornarem-se ricos, a maioria preferiria desfrutar dos seus ilimitados vinte-anos erodindo uma ilimitada fortuna.

C. G. Jung afirmou que quando os alquimistas medievais buscavam a Pedra Filosofal, capaz de transformar os metais inferiores em ouro, na verdade estavam usando uma linguagem metafórica. Os anos e anos de trabalho obscuro, paciente, longe dos olhos do mundo, vencendo a preguiça, o desânimo e as tentações, não produziam um bloco de ouro, e sim uma alma humana incapaz de deixar-se corroer ou corromper pelo tempo e pela vida. O Eldorado, a Fonte de Juventa e a Pedra Filosofal são metáforas narrativas de uma intuição abstrata: eternidade é riqueza, e vice-versa.

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