domingo, 11 de abril de 2010

1895) O Himalaia da Literatura (5.4.2009)




(ilustração: www.leidorf.de)

Quando o leitor é muito jovem, cada livro aberto é um morro a ser escalado. 

Esforço, há. O que resta ver é se o esforço incrementa ou não a musculatura do alpinista; se o trajeto lhe propõe boas armadilhas e lhe sugere boas soluções; e se a sensação de chegar ao alto lhe dá, menos que a sensação de “ainda bem que acabou”, a de “mal posso esperar para fazer isso de novo”. 

Livro bom é livro em aclive, livro que exige esforço, conquista – e, também, um livro que forneça recompensas estéticas e psicológicas a cada página escalada. 

 Esforço intelectual sem recompensa estética é o que mata muita literatura de vanguarda, onde a dificuldade parece valer pela mera dificuldade, e o leitor fica com aquela sensação absurda de estar galgando uma montanha e permanecendo na chateza da planície.

Na idade adulta (recuso-me a dicionarizar o termo “velhice”) vemos o quanto nossas primeiras montanhas não passam, hoje, de morrotes, barrancos, que nossos olhos galgam sem esforço. E a soma dos livros lidos é uma espécie de cordilheira do alto da qual avistamos o mundo das histórias e das palavras. 

É curiosa a vista daqui de cima. Para quem chegou no alto do seu Himalaia pessoal (e o de cada um tem altura diferente) o mundo que se estende lá em baixo não mostra muitas elevações, embora a memória e o entendimento nos digam que estão lá. 

Acho que nenhuma altitude a que eu venha a chegar me fará perder de vista maciços sobranceiros como os que são formados por João Cabral, Guimarães Rosa, Augusto dos Anjos, Carlos Drummond, todos se elevando no meio da uma planície indistinta de textos menores e diluídos pela perspectiva oblíqua de cima para baixo.

Cada um destes montes maiores (Edgar Poe, Brecht, James Joyce, Jorge Luís Borges, Kafka, Maiakóvski) é um Everest de seu próprio mundo. 

É inútil tentar criar uma disputa entre eles, pois até hoje não sei de nenhuma montanha que crescesse por tentar ser maior que a montanha vizinha. Crescem pelas forças tectônicas que as pressionam para o alto. 

E o termo “Everest” não deve ser tomado muito literalmente. A obra de Leandro Gomes de Barros, por exemplo, é uma Serra do Teixeira, e isto não é pouco – em dias de bom sol, vê-se de lá de cima até o Hotel Tambaú.

E os autores menores, menos glorificados, também são visíveis aqui de cima. Quem se daria o trabalhar de procurar com um binóculo as (aparentemente) irrisórias colinas de Ellery Queen, Joaquim Cardozo, Conan Doyle, Luiz Vilela, Maurice Leblanc, Delarme Monteiro? 

No entanto, olhe de cima os traçados geométricos dos campos, os losangos, as tramas e urdiduras. Cada obra individual é um tracinho nesses arabescos. Cada obra dita menor é parte de uma estrutura que sem ela não seria visível ou não teria beleza. 

Uma obra menor (será isto um auto-consolo?) é como um caco que ajuda a compor um vitral. Para cumprir sua função não tem que ser grande. Basta apenas que tenha o tamanho certo, a forma certa, a cor certa, a transparência certa.




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