quinta-feira, 1 de abril de 2010

1858) Pare de se preocupar (21.2.2009)



Rola na Europa uma campanha de ateus e agnósticos que coloca posters nos ônibus urbanos dizendo: “Provavelmente não existe Deus, portanto pare de se preocupar, e aproveite a vida”. A finalidade da campanha não é reduzir as preocupações dos cidadãos comuns, e sim alfinetar os grupos fundamentalistas, cujos membros caem ao chão, ciscando e espumando, toda vez que avistam uma frase desse tipo. Com todo respeito, é o mesmo que mostrar cruz a vampiro.

Eu pertenço à ala direita dos AA (sou agnóstico) e entendo a intenção da campanha, inclusive simpatizo com o bom humor e a leveza da mensagem, muito diferente das diatribes furiosas que um dos seus patrocinadores, o cientista Richard Dawkins, costuma produzir em seus próprios livros. A campanha não chama os crentes-em-Deus de imbecis nem de fanáticos, apenas diz: “Calma, esse assunto não é uma prioridade, vá cuidar de coisas mais urgentes”. É claro, no entanto, que uma pessoa que apoiou toda sua vida mental no conceito da existência de Deus, e por consequência na existência de sua própria alma imortal, não vai admitir que os aviões do ateísmo derrubem duas torres tão imponentes, das quais depende sua aposta na vida eterna.

Mais do que o conteúdo secular da proposta, contudo, o que me agradou foi o jeito de dizer as coisas, algo muito importante quando se mexe com a crença alheia. Não podemos dizer “você é um idiota por acreditar nisto” (ou “por duvidar disto”). Melhor dizer assim: vá se ocupar com outras coisas. Deus existe? Então deixe Deus quieto no canto dele e vá fazer coisas que sejam úteis para alguém mais. Eu nada tenho contra a fé religiosa, mas vejo com certo desânimo as pessoas para quem acreditar numa Divindade significa passar o dia inteiro entoando loas, louvações e elogios à Divindade. Grande parte da atividade religiosa que vejo por aí consiste apenas em ficar salmodiando: “Você é grande, gigantesco, perfeito, onipotente, etc.” É isso que uma Divindade espera ouvir de seres dotados de alma imortal e de livre arbítrio?

Todas as religiões são humanas, demasiado humanas. O que têm de transcendente ou de epifânico é uma pepita no meio de um cascalho de rituais repetidos de forma mecânica. Quando chega um grupo de pessoas e diz “pare de se preocupar e aproveite a vida” na realidade está dizendo, “pare de tratar Deus como um imperador mimado e vá fazer as coisas que ele espera que você faça”. Vá alimentar os famintos, agasalhar os que têm frio, arranjar terra para quem quer trabalhar, indicar um caminho para quem está perdido no mundo.

Se não me engano há um trecho nos Evangelhos em que Cristo diz: “O que fizerdes por eles, é por mim que estareis fazendo”. Se ele disse isso, vai ver que estava dizendo algo como: “Deus existe e sou eu. Portanto, pare de se preocupar e aproveite a vida”. (Claro que hoje em dia “aproveitar a vida” é beber, cair e levantar, mas ninguém pode botar a culpa em Jesus Cristo.)

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