sábado, 20 de março de 2010

1803) Bienal vazia e pichação (19.12.2008)



Há cinqüenta dias uma moça está presa porque pichou com spray as paredes do prédio da Bienal de Artes de São Paulo. Quem lê esta coluna sabe que eu não vejo com simpatia os pichadores. Sou capaz de desculpá-los, como desculpo os escritores de livros ruins: coitados, só são capazes de fazer aquilo mesmo. Paciência; há coisas mais graves merecendo nossa atenção e nosso combate. Muitos pichadores deixaram de rabiscar aqueles monogramas ininteligíveis e se transformaram em grafiteiros, artistas que usam os mesmos sprays nos mesmos muros para produzir obras de arte. (Sim, eu considero que um grafito pode ser uma obra de arte.) Infelizmente, quem sujou a parede na Bienal não foi uma grafiteira, foi uma pichadora mesmo, que rabiscou ali os logotipos de seu grupo e foi agarrada pela polícia antes mesmo de acabar.

O curioso é que a Bienal mandou prender a moça, e presa ela está há 50 dias. Por mim, bastava dar-lhe um puxão de orelhas, uma lata de tinta branca e uma brocha, e dizer: “Só sai dali quando deixar a parede como estava”. Algo assim. Ela provavelmente espernearia, dormiria uma noite no chão, mas acabaria entregando os pontos. Pintava na parede um belo dum Malevich e saía de lá lépida e fagueira, para pichar no Anhangabaú.

Por falar em Malevich, a Bienal abriu este ano com uma idéia originalíssima: um andar inteiro em branco! Um pavilhão vazio, sem obras de arte, sem nada. Para quê? O saite da Bienal diz: “O segundo andar está completamente aberto, revelando sua estrutura e oferecendo ao visitante uma experiência física da arquitetura do edifício”. Conversa pra boy dormir. É falta-do-que-expor mesmo, porque até mesmo retratos da Virgem Maria besuntados de fezes (como apareceu numa exposição em Nova York há poucos anos) devem estar em falta. Existe uma crise do que dizer, do que fazer, do que mostrar, depois de décadas e mais décadas de qualquer pilantra bem-relacionado fazendo, dizendo e mostrando bobagens e pagando gente para dizer que aquilo é arte.

A natureza tem horror ao vácuo, diz a ciência popular. Qualquer vazio artificial é preenchido no mesmo instante, e com violência. A Bienal 2008 criou esse vácuo no seu segundo piso pela imensa, intransponível distância entre dois mundos mutuamente inacessíveis: uma Torre de Marfim de gente que não tem o que dizer, embora detenha todos os meios de produção, exibição e divulgação necessários; e uma Torre de Babel de gente que precisa dizer alguma coisa mas nunca teve acesso a nada, e consegue se exprimir apenas através de grunhidos gráficos, incompreensíveis, inarticulados, sujando a cidade que finge ignorar sua existência. Caroline Piveta, de 23 anos, está presa há mais de cinqüenta dias (cinqüenta dias!) porque tentou preencher o Vazio da Arte Contemporânea. Quando daqui a dez anos artistas-terroristas explodirem o Pavilhão da Bienal dizendo que é uma “intervenção”, os “curadores” e “críticos” continuarão sem entender nada.

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