sexta-feira, 12 de março de 2010

1782) Dawkins versus Harry Potter (25.11.2008)


O professor Richard Dawkins é um cara que gosta de pegar briga pesada. Recentemente escreveu um livro contra Deus (A Ilusão de Deus). Agora, não satisfeito, foi mais longe e resolveu enfrentar Harry Potter. 

Numa entrevista recente, Dawkins protestou contra o que ele acredita serem hábitos nocivos que os livros de J. K. Rowling estão disseminando entre os jovens, os quais, segundo ele, “estão sendo criados no hábito de acreditar em feiticeiros e encantamentos”. “O livro que vou escrever no ano que vem,” disse Dawkins, “será um livro destinado às crianças, mostrando-lhes como refletir sobre o mundo, e mostrando o contraste entre o pensamento científico e o pensamento mítico”. 

Se for apenas isto, estou de acordo, porque pensamento científico e pensamento mítico são duas coisas muito diferentes, e que precisam ser identificadas com clareza. O nó da questão, no entanto, é que Dawkins provavelmente vai dizer no seu livro que o pensamento científico é o único que está certo, e o pensamento mítico está errado. É justamente nessa bifurcação que eu divirjo e discrepo do nobre pensador. 

O pensamento científico nos serve para entender o mundo material que nos cerca. As ciências que cultivamos deveriam ser chamadas de Ciências da Matéria, porque afinal não é de outra coisa que tratam. 

O pensamento mítico, por outro lado, trata das Ciências da Mente, um domínio totalmente diverso. Elas funcionam de outro jeito, e manipulam outros parâmetros. Dawkins talvez seja (espero não estar sendo injusto com o professor) um desses caras para quem a palavra grega “mito” significa “mentira”, e este simples fato torna desnecessário qualquer estudo a respeito. Se é mentira não é verdade, e se não é verdade, para que perder tempo com isto?! 

O professor ficaria surpreso se visse que grande parte dos garotos que lêem Harry Potter e suas aventuras feiticeiras também lêem autores de ficção científica como Isaac Asimov. As duas mentalidades não apenas podem coexistir, como a literatura é justamente o melhor espaço para essa coexistência. 

A literatura imaginativa desperta a curiosidade de garotos e garotas a respeito do mundo da matéria, do mundo da mente, do mundo dos átomos, do mundo da mitologia. Garotos e garotas inteligentes lêem com o mesmo prazer livros sobre feitiçaria e sobre espaçonaves, livros sobre cavaleiros medievais e sobre robôs. Para eles, tudo pertence ao mundo da imaginação, pertence às fronteiras da realidade. Se umas coisas funcionam na vida prática e outras não, qual é o problema? É de literatura e de imaginação que estamos falando. 

Dawkins me parece às vezes um Inquisidor ao contrário, um sujeito que está numa cruzada ateísta para banir a religião do mundo mesmo que seja à base de fogueira e Santo Ofício. Um procedimento nada científico, professor. Nada científico. Me dá às vezes a impressão de que ele sofreu algum tipo de enfeitiçamento, mas, cala-te boca.





Um comentário:

Anônimo disse...

Há alguns anos, li uma matéria numa Superinteressante sobre "Teorias Científicas" que não poderiam ser comprovadas... Lembro-me de pouca coisa da matéria, mas me recordo de uma das teorias... Que era justamente a do Gene Egoísta, do Dawkins... (Sei que esta teoria foi implicitamente criticada por Stephen Jay Gould, através de uma leitura recente).