quinta-feira, 11 de março de 2010

1775) O acorde de George Harrison (16.11.2008)



Um mito cultural é algo que, não importa quantas vezes tenha sido analisado e explicado, sempre haverá alguém disposto a produzir uma nova análise e uma novíssima explicação. Veja-se por exemplo o sorriso da Mona Lisa, o monolito de 2001, uma Odisséia no Espaço, o “Barco Ébrio” de Arthur Rimbaud. Acha que já sabe tudo sobre isto? Pois aguarde, e semana que vem aparece uma teoria nova.

A obra dos Beatles parece produzir este tipo de comichão intelectual numa porção de desocupados como eu, sempre dispostos a descobrir uma sutileza nova. A mais recente é a do Dr. Jason Brown, do Departamento de Matemática e Estatística de Dalhousie. Seu objetivo de pesquisa não é um disco como o lendário Sgt. Pepper’s, não é uma canção como “Penny Lane”, não é nem sequer um verso clássico como “I am he, as you are he, as you are me, and we are all together”. É um simples acorde – o famoso acorde inicial da canção “A hard day’s night”, o qual, segundo o autor de uma matéria no Science Daily, é capaz de “produzir uma resposta pavloviana nos fãs dos Beatles”, fazendo-os entrar de imediato nos versos de abertura: “It’s been a hard day’s night, and I’ve been working like a dog...”

O Dr. Brown também trabalhou como um cão para decifrar o acorde que, reza a lenda, foi feito por George Harrison usando sua guitarra Rickenbacker de doze cordas. É um acorde caprichado, sem dúvida, com uma leve dissonância que o torna inconfundível. Se no saguão de um aeroporto ou num auditório repleto esse acorde for reproduzido, ele sozinho, sem aviso prévio, nas caixas de sons, algumas dezenas de senhores grisalhos terão um leve sobressalto e cantarolarão, em diferentes graus de emissão vocal: “It’s been a haard... daaaaays... niiiight...”

Para mim, a composição do acorde nunca teve muito mistério. Eu toco a música em Sol Maior, e o acorde inicial é simplesmente um Ré com Sétima (ou, na nomenclatura do velho método de violão de Paraguassu, onde aprendi, uma “segunda com preparação”), acrescido de um detalhezinho sutil: em vez de ser composto (nas quatro cordas de baixo do violão, no sentido descendente) pelas notas Ré, Lá, Dó e Sol-bemol, esta última nota é trocada por Sol simples. Este é o detalhe crucial. Não sei como os músicos de verdade classificam isto. Em Revolution in the Head, Ian MacDonald descreve o acorde como “G eleventh suspended fourth”, que para mim é grego.

A descoberta recente do Dr. Brown foi feita através da decomposição do som em suas frequência sonoras e análise em separado, o que o levou à conclusão de que o piano de George Martin soou em uníssono, produzindo uma nota que seria impossível de obter apenas com a guitarra de Harrison. MacDonald diz que este acorde abriu (e o acorde final de piano em “A Day In The Life” fechou), o período de maior criatividade do grupo, entre os anos de 1964 e 1967. Uma mina de diamantes onde a todo instante tem alguém descobrindo um brilho novo.

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