quarta-feira, 10 de março de 2010

1773) Borges e a associação de idéias (14.11.2008)




Li a resenha, assinada por Alberto Manguel, de um livro recente sobre Jorge Luís Borges, The Unimaginable Mathematics of Borges’ Library of Babel. O autor, o matemático William Goldbloom Bloch, analisa as idéias matemáticas contidas neste conto em que o escritor argentimo imagina uma biblioteca formada por livros que contêm em si todas as combinações possíveis de letras, e assim reproduzem a totalidade dos livros possíveis.

Muita tinta já correu sobre este conto; os textos que o analisam são tão numerosos que já encheriam alguns dos hexágonos de que se compõe a Biblioteca fictícia. Mas Manguel revela um detalhe que inquietou minha curiosidade. Diz ele que as orelhas do livro de Bloch reproduzem em fac-símile o manuscrito original do conto de Borges, redigido em sua letra minúscula, regularíssima. Ao que parece, Borges escreveu o conto em folhas de um livro ou caderno de contabilidade, daqueles que têm colunas intituladas “Deve” e “Haver”. Nas folhas que usou, essas palavras estão em letras góticas, e na palavra em espanhol “Haber” o “H” maiúsculo parece um “B”, e o “r” minúsculo parece um “l”, fazendo com que “Haber” sugira “Babel”.

É claro que Borges (ou qualquer outro escritor) não precisaria desta dica do Acaso para comparar sua biblioteca à Torre de Babel, onde todos os idiomas humanos se misturaram e se desentenderam. Mas na sua obra existe um componente casual que muitas vezes desnorteia os críticos. Ele mesmo já afirmou que os números que aparecem no conto não têm qualquer alusão cabalística; apenas se referem aos livros e às prateleiras que estavam do seu lado quando ele escrevia, numa biblioteca pública de Buenos Aires.

Outras referências casuais aparecem em outros contos. Em “A Morte e a Bússola”, as primeiras páginas mostram um crime misterioso que envolve um Tetrarca da Galiléia e o misterioso Tetragrammaton, o nome secreto de Deus, composto de quatro letras. Robert Irwin, em The Mystery to a Solution, pergunta: “Preciso indicar que o verbete sobre ‘tetrarca’, na décima-primeira edição da Enciclopédia Britânica [a edição que Borges possuía], está na página oposta ao verbete sobre o Tetragrammaton?”

Borges, como muitos autores cerebrais, descansa o cérebro pegando no ar um sem-número de dicas, sugestões, inspirações, que ele intuitivamente incorpora ao texto, porque sente, como todos os autores verdadeiramente cerebrais, que o cérebro tem um lado oculto que também sabe tomar decisões. Folheando uma enciclopédia para checar uma informação, ele fica aberto para sugestões do Acaso, e pode incorporar ao texto palavras ou elementos que são vistos “em passant” e cuja natureza não interfere no enredo. Detalhes secundários e ilustrativos, citações, nomes de pessoas ou lugares, tudo isto tanto pode ter uma natureza intencional e até alegórica como pode ter sido apenas um elemento encontrado no meio do caminho.

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