segunda-feira, 1 de março de 2010

1728) Os colecionadores de sonhos (25.9.2008)




Quando eu era pequeno havia na minha casa um costume de eventualmente contarmos uns aos outros o que havíamos sonhado à noite. Minha tia Adiza, que morou muitos anos na casa dos meus pais, costumava perguntar o que a gente tinha sonhado, e às vezes contava seus próprios sonhos. 

Uma coisa que desde cedo me chamou a atenção era o tempo verbal em que os sonhos eram contados (pelo menos na minha família), que era sempre o imperfeito do indicativo. A gente não dizia: “Eu entrei numa casa, encontrei Fulano, ele me entregou um pacote”. Era assim: “Eu entrava numa casa, encontrava Fulano, ele me entregava um pacote...” 

Acho que essa mudança de tempo ficava subentendida porque no início se colocava o ato de sonhar no pretérito perfeito: “Eu sonhei que entrava numa casa...”, e daí todo o resto mudava.

Muitos autores que admiro (Graham Greene, Georges Perec, Jack Kerouac, William Burroughs, etc.) publicaram coletâneas de seus próprios sonhos. Outros incluíram relatos desse tipo em volumes autobiográficos ou ensaios (Freud, Jung, Luís Buñuel, Jorge Luís Borges, R. L. Stevenson, etc.). 

Em muitos casos os sonhos serviram como ponto de partida para contos, livros, filmes. Os três maiores clássicos do terror foram baseados em pesadelos dos seus autores: o Frankenstein de Mary Shelley, O Médico e o Monstro de Stevenson e o Drácula de Bram Stoker.

No prefácio de A World of my Own (1992), sua coletânea de sonhos, Graham Greene comenta que alguns dos seus contos (“Dream of a Strange Land”, “The Root of all Evil”) saíram direto do sonho para a página, com pequenas alterações. Conta também que sonhou com o naufrágio de um navio na noite em que o Titanic afundou. 

Esta observação nos leva ao assunto dos sonhos proféticos, que são objeto de um dos livros mais fascinantes que já li, Man and Time de J. B. Priestley (1964). Priestley acreditava nas teorias expostas por J. W. Dunne em seu clássico visionário An Experiment with Time (1927). A teoria é basicamente de que existem “camadas de tempo” superpostas umas às outras. Quando dormimos, nossa mente se liberta da camada em que está nosso corpo e se transfere para uma camada imediatamente superior, de onde é capaz de vislumbrar fatos futuros.

Eu acho que a teoria tem um grão de possibilidade, mas o sonho de Greene não tem nada a ver com ela. O Titanic era, como se sabe, o maior navio construído no mundo naquela época. Sua construção, seu lançamento e sua primeira partida para o mar foram alvo de grande cobertura da imprensa. 

Ele afundou em abril de 1912; Greene tinha, então, oito anos incompletos. Para mim é perfeitamente explicável que um garoto imaginativo ouça falar na partida iminente de um navio proclamado “não-afundável” e, à noite, sonhe que o navio afundou. Imagino que quando a Apollo 11 partiu para a Lua em 1969 muita gente deve ter sonhado com variados desastres. Como a nave foi e voltou, os sonhos passaram em branco.






Nenhum comentário: