segunda-feira, 1 de março de 2010

1727) Machado: Uma Excursão Milagrosa (24.9.2008)



(Machado, por Marcos Guilherme)

Já comentei a relação difícil de Machado de Assis com a literatura de fantasia. Não é que não gostasse dela. Machado cita autores como Julio Verne ou Edgar Allan Poe (chegou a fazer uma tradução sofrível de “The Raven”). Seu papel, contudo, foi o de combater o exagero superficial do romantismo e do melodrama, com suas paisagens orientais e exóticas, seus cemitérios, suas assombrações, suas viagens alucinatórias e fantásticas. Queria produzir um realismo voltado para a vida da burguesiazinha financeira da corte, descobrindo por trás da sua empáfia e superficialidade profundezas insuspeitadas do espírito humano.

Vai daí que grande parte das incursões de Machado pelo fantástico eram meros entretenimentos para descontrair. Era um escriba de revistas e jornais, tendo que inventar alguma coisa a toda hora, e nem sempre com a concentração e o foco mental ideais. Em “A Chinela Turca” ele parodia e satiriza o “ultra-romantismo” dos melodramas teatrais da época. Em “Uma Excursão Milagrosa” (Jornal das Famílias, 1866) ele se serve do personagem Tito, um poeta desempregado, esnobado pelos colegas, e que, para seu próprio desgosto, vende poemas para que um ricaço os publique dizendo que é o autor. Depois de uma extensa introdução (que dá a impressão de que o autor improvisava, estendendo-se o mais que podia por não saber ainda que história iria contar), o narrador dá a voz a Tito, que passa a contar com suas próprias palavras o que lhe aconteceu.

Durante uma madrugada, entra-lhe de casa adentro “uma sílfide, uma criatura celestial, vaporosa, fantástica, trajando vestes alvas, nem bem de pano, nem bem névoas”, que o arrebata consigo rumo ao céu. É mais uma das viagens delirantes de Machado (Brás Cubas, “A Segunda Vida”, etc.), em que mesmo nas asas da Fantasia o personagem não evita dizer: “Eu, que me havia distraído algum tempo da ocupação das musas no estudo das leis físicas, contava que naquele subir contínuo breve chegaríamos a sentir os efeitos da rarefação da atmosfera”. Tal não ocorre, e os dois, após cruzar os planetas, chegam ao País das Quimeras, ou Reino das Bagatelas.

Ali tudo é cercado de rituais e rapapés, como no Oriente. O país é habitado por Utopias e Quimeras, que são “moçoilas frescas, lépidas, bonitas e louras”. Tito percorre aquele país, conhece a Moda, cercada “de suas trezentas belas, caprichosas filhas”; testemunha a fabricação da “massa quimérica”, uma massa “branca, leve e balofa”, destinada a preencher as mentes de estadistas, poetas e namorados. Acaba caindo de volta à Terra, e pertinho de casa. O narrador comenta que Tito passou a ser ainda mais marginalizado do que o era, pois agora não resiste à tentação de denunciar quimeras e fantasias onde as avista. Fica evidente, no conto, a leveza, o humor e a ironia casual de Machado para com as convenções da fantasia romântica. Num contozinho tapa-buraco, ele acaba deixando escapar uma profissão de fé.

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