domingo, 28 de fevereiro de 2010

1723) Vontade de ser artista (19.9.2008)




(Roald Dahl)

Roald Dahl tem um conto, “Mr. Botibol” sobre um personagem que busca em vão se integrar ao mundo. 

Mr. Botibol é rico, mas fracassado. Para começo de conversa, é um sujeito fisicamente repulsivo: alto, magro, cabeça disforme, sem ombros, “parecia um aspargo” vestindo terno e gravata. Tem um sentimento de profunda insegurança. 

O conto se abre mostrando um almoço dele com um possível comprador da empresa que ele herdou do pai. O comprador havia feito uma proposta inicial modesta, apenas para mostrar que estava interessado e abrir as negociações. Estaria disposto a pagar até três vezes aquele valor. Quando os dois se encontram no restaurante, Mr. Botibol, tímido, nervoso, atrapalhado, abre a conversa dizendo que aceita a proposta. Como ocorre com todo tímido, disputar contra a vontade alheia lhe produz uma sensação de imenso desconforto.

A questão é que o comprador, animado pelo sucesso, abre uma garrafa de vinho e pela primeira vez na vida Mr. Botibol se deixa inebriar pelos vapores de Baco. Volta para casa cambaleante mas eufórico, e, como é um apreciador de música clássica, põe no fonógrafo um disco sinfônico qualquer, para dar vazão àquela sensação inédita de bem estar. 

E logo ele se flagra a si mesmo de pé no meio da sala (ele mora sozinho, com um velho mordomo), regendo a sinfonia, e sente-se transportado, como nunca o sentira, para o mundo glorioso da Arte.

Para encurtar a conversa, Mr. Botibol manda construir em casa um auditório, um palco, uma bancada para maestro e um engenhoso sistema gramofônico onde os discos são substituídos sem que a sinfonia seja interrompida. 

Depois, ele compra um piano de cauda e o instala no palco, tomando o cuidado de fazer com que as teclas sejam emudecidas, para que ele possa fingir que está tocando, sem produzir som algum. 

E daí em diante, Mr. Botibol passa a tomar uma garrafa de vinho no jantar e em seguida subir ao pódio de maestro (sob os aplausos ensurdecedores de um disco de efeitos sonoros) e imaginar que está regendo, toda noite, uma sinfonia diferente. Até o dia em que...

Bom, o final da história é menos importante, aqui, que sua premissa. O que Dahl nos mostra em seu conto é o protótipo de uma multidão gigantesca que há no mundo: os “artisticamente prejudicados”, para imitar o jargão atual. Pessoas que têm sensibilidade para as coisas da arte (no caso, a música clássica) mas a quem falta o estudo e o treino necessários para praticá-la. 

Eu me identifico com Mr. Botibol porque em termos de partitura não distingo um dó de um ré, mas ainda assim sou capaz de escutar música erudita (uma dessas bem melódicas e acessíveis – um Tchaikóvski, um Mozart) e imaginar que a estou regendo ou que a estou tocando. É mais ou menos o que faz os adolescentes de hoje se amarrarem em jogos como Guitar Hero, em que você preme os botões do console e imagina que é Santana, Jimmy Page ou Jimi Hendrix fazendo aquele solo de rachar o céu em duas bandas.






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