domingo, 28 de fevereiro de 2010

1721) Machado: As Esperanças Decrescentes (17.9.2008)




(Machado, por Novaes)

Cada autor tem suas figuras de linguagem preferidas, às quais recorre, depois de certo tempo, quase inconscientemente. O estilo é um conjunto de cacoetes que criam um perfil reconhecível. 

Machado de Assis injeta nos seus personagens alguns gestos mentais a que eles se entregam como um sujeito que tem um tique nervoso e esquece que o tem.

Nas Memórias Póstumas... (na página intitulada “Ao leitor”), Brás Cubas nos dá a medida da sua oscilação permanente entre um Desejo autocomplacente e uma anêmica Vontade. Diz ele: 

“Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinqüenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco.” 

 Assim é Brás Cubas. Tem intenções ousadas, mas, depois de dissipada a adrenalina do arroubo inicial, elas vão se conformando, resignadas, às dimensões que lhes impõe a realidade. 

Brás imagina-se grandioso, arrebatador, mas o fato de imaginar-se, curiosamente, basta-lhe. O grande gesto da intenção vai sendo diluído em miúdos pela vida real, porque o que mais lhe interessa é satisfazer sua fantasia íntima de rapaz mimado.

E há o episódio do almocreve (Cap. XXI). O jumento que ele monta espanta-se, ameaça disparar; Brás despenca da sela com o pé preso ao estribo, e ai dele se não fosse um almocreve que detém e subjuga o animal. 

Recuperado, Brás agradece ao salvador e delibera, intimamente, dar-lhe três das cinco moedas de ouro que trazia consigo. Logo pondera se não bastariam duas. Examina a roupa do benfeitor, constata que é um pobretão, e chega a tirar do bolso uma única moeda. O almocreve está de costas. Depois de uma derradeira hesitação, Brás mete-lhe na mão um cruzado de prata. Torna a agradecer, monta. 

Ao se afastar vê de longe o almocreve que gesticula, fazendo-lhe grandes cortesias, e pensa por fim que o outro foi apenas um instrumento da Providência, que estava lá por acaso, que não lhe coube mérito algum... E: 

“Fiquei desconsolado com esta reflexão, chamei-me pródigo, lancei o cruzado à conta das minhas dissipações antigas; tive (por que não direi tudo?) tive remorsos”.

Depois do arroubo inicial, tudo decresce, tudo míngua, tudo se conforma à prudente mesquinhez do nosso herói. 

E não há como não ver nisto um eco do “serrote” que protagoniza o conto “O Empréstimo” (Papéis Avulsos, 1882), um tal Custódio, que “nascera com a vocação da riqueza, sem a vocação do trabalho”. É um pedidor. Aquele da piada: “É colírio? Pinga aqui...” 

Nas seis páginas perfeitas deste conto, Custódio assedia o tabelião Vaz Nunes por cinco contos de réis, que caem depois para quinhentos mil réis, e para duzentos, para cem, para vinte... No fim do conto, Custódio morde cinco mil réis de Vaz Nunes, e sai de rua afora, “pisando rijo, encarando fraternalmente os ingleses do comércio”.






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