sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

1711) Resnais: “A Guerra Acabou” (5.9.2008)



Num festival dedicado a Alain Resnais no CCBB do Rio, revi este filme discreto e magnífico de 1966. É a história do cansaço e do princípio de desilusão de um revolucionário de meia-idade. Diego (Yves Montand) é um comunista espanhol que trabalha na clandestinidade contra a ditadura do General Franco, indo e voltando entre Madri, onde atua, e Paris, onde tem uma namorada (a bergmaniana Ingrid Thulin), e onde fica sediado o grupo subversivo a que pertence. Vindo depois de Hiroshima, meu amor e de O ano passado em Marienbad, que fizeram a fama de Resnais, é um filme surpreendentemente linear e narrativo, chegando em vários momentos a ser um thriller de suspense, pois acompanhamos um indivíduo que vive no fio da navalha, prestes a ser desmascarado e preso pelas autoridades.

O roteiro é do espanhol Jorge Semprun, o mesmo que escreveu Z de Costa-Gavras e vários outros filmes políticos. Acompanhamos as viagens com passaporte falso, os encontros clandestinos, as senhas e mensagens em código, toda a encenação permanente em que vivem os membros do “underground” político que Semprun conhece tão bem. Vemos o cansaço de Diego, um homem movido mais pelo hábito, pela falta de alternativas e pelo dever ético do que pela paixão revolucionária; e podemos contrastar seu comportamento com o dos jovens esquerdistas parisienses que contrabandeiam explosivos para um atentado, dispostos a sabotar o turismo que sustenta o governo de Franco. Nesses jovens enraivecidos, vociferantes, cheios-de-razão, citando Lênin a propósito de tudo, vemos os irmãos espirituais dos jovens maoístas que Godard no ano seguinte imortalizaria em A Chinesa.

Em sua ausência de retórica esquerdista, contudo, esse filme se aparenta muito mais a O pequeno soldado de Godard. Resnais se dedica a construir uma narrativa meticulosa, às vezes inesperada. Neste filme ele aperfeiçoou o uso do “flash-forward” os vislumbres de imaginação do personagem, que, como num romance de Robbe-Grillet, imagina (e projeta na tela) diferentes desfechos de algo programado para acontecer horas depois: chegará na hora, chegará atrasado, encontrará Fulano na estação, encontrará no trem, não o encontrará... Tudo isso se sucede rapidamente na tela, fazendo-nos compartilhar das indecisões e incertezas do personagem. Quando ele imagina como será Nadine, a moça a quem deve devolver o passaporte falso, vemos várias moças caminhando, todas de costas, sem mostrar o rosto: loura, morena, cabelo longo, cabelo curto, cabelo preso... É um processo mental por que todos nós passamos (fantasiar previamente como será alguém que estamos prestes a conhecer), mas que o cinema raramente mostrou, e jamais mostrou com tanta simplicidade. As duas cenas de cama (Montand com Geneviève Bujold, depois com Thulin) são também uma prova da maestria de Resnais para filmar olhos, cabelos, mãos, peles, rostos, e nos transmitir a sensação de plenitude e paz produzida pelo amor físico.

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