quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

1642) A escrita automática (17.6.2008)




Os surrealistas dos anos 1920, com André Breton à frente, criaram o que chamavam de “escrita automática” como um dos meios para desacorrentar o fluxo de idéias da mente, o chamado “stream of consciousness”, e revelar através dele o funcionamento real do pensamento, livre de considerações estéticas, morais, etc. Livre de qualquer tipo de censura ou auto-coerção. 

Os resultados são discutíveis, porque produziram inúmeros bons poemas ou textos em prosa (do próprio André Breton, de Benjamin Péret, Paul Éluard, etc.) como também uma quantidade enorme de textos desconexos dos quais é impossível (pelo menos para mim) extrair qualquer arremedo de impressão literária.

Na mesma época, os escritores da “pulp fiction” norte-americana estavam descobrindo o filão das revistas populares, que pagavam alguns centavos de dólares por palavra. 

Para tornar rentáveis esses centavos, precisavam escrever uma quantidade imensa de texto por dia; e acabaram desenvolvendo o seu próprio sistema de “escrita automática”. 

Escreviam sem pensar, sem parar, sem voltar atrás, sem corrigir, sem revisar.

Isaac Asimov orgulhava-se de jamais revisar um texto. Punha o papel na máquina, mandava ver, e quando escrevia “The End” colocava a maçaroca de folhas num envelope e a enviava para a revista de sua preferência. 

Há uma conferência muito divertida em que ele satiriza as preocupações estilísticas dos autores “literários”. Diz ele que o sujeito escreve o início de um conto: “Era uma noite escura e tempestuosa..” Aí pára para ver se a frase está boa, e decide mudar: “Era uma noite tempestuosa e escura...” Ainda não parece o ideal, e ele muda mais uma vez: “Era uma noite cheia de escuridão e de tempestades...” Passa dias inteiros nessa frase, e nada de história.

Philip K. Dick, que era capaz de datilografar cem palavras por minuto, dizia conceber mentalmente seus romances por inteiro, e depois tinha só que colocá-los na página; chegava a escrever sem parar três ou quatro dias seguidos, praticamente sem dormir, mantendo-se acordado à base de café e comprimidos. 

O mesmo acontecia com Lester Dent, o criador de Doc Savage, "o Homem de Bronze”: dezoito horas de trabalho por dia, que lhe permitiram escrever um livro de 60 mil palavras por mês ao longo de doze anos (ele é autor de 165 dos 182 livros sobre Doc Savage). Robert Silverberg costumava escrever um conto de 7.500 palavras por dia, durante dias a fio.

Diferentemente de Breton, todos estes escritores trabalhavam com prosa neutra, fosca, sem inovações, sem vanguardismos, prosa de gramática transparente e regras estilísticas convencionais. 

O fato de não pararem para burilar frases brilhantes, no entanto, lhes possibilitava mergulhar diretamente no domínio fantástico da história em si, das peripécias incríveis, das ações dos personagens. 

Escrevendo dentro das convenções da FC, eles produziram uma escrita automática que revelava um nível mais profundo da imaginação criadora.







Um comentário:

Joe_Brazuca disse...

Genios !...de qq forma, mesmo os "sem dom", acabaram criando coisas muito interessantes...


muito bom seu artigo