terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

1632) O Beletrista Teórico (5.6.2008)




Conheço o Beletrista Teórico desde que vim morar no Rio. Ele freqüentava o antigo Bar do Violeiro no Baixo Leblon, e findava a noite no Diagonal, tomando chope acompanhado da tradicional sopa de cebola com torradinhas. 

Era um desses talentos loquazes, cachoeirísticos, um derramamento contínuo de idéias brilhantes, frases bem-humoradas, sacações originais. Conversar com ele pagava a noite, inclusive porque, diferentemente da maioria dos intelectuais de mesa de bar, não costumava criar polêmicas. Pelo contrário. Era um colaborador entusiasta.

O Beletrista tinha a mania de me dar idéias. “Olha, você não escreve ficção científica? Pois veja bem: alienígenas entre nós, só que são iguais a nós e passam despercebidos. Casam, têm filhos... Depois não sabem mais o que são! Já pensou? Um filme de ET existencialista!” 

Eu dizia: “Taí, ninguém nunca tinha pensado nisso”. E ele, em pleno entusiasmo: “Claro! Olha, quando você terminar o livro, não esquece de me mandar, pra eu fazer uma revisão, ver se está tudo certo”.

Entendeu? O Beletrista Teórico é aquele cara que, se for amigo de Ronaldinho Gaúcho ou de Kaká, liga para ele numa terça-feira e diz: “Velho, tive uma idéia sensacional para um gol. É assim; você recebe na meia-lua, e parte com a bola na direção da esquerda. Quando os zagueiros fecharem, você corta para a direita de repente, eles passam, você atrai o goleiro e manda por cima dele... Que tal?” 

A vantagem, no caso do futebol, é que ele não pode pedir ao jogador para “revisar o gol”.

O Beletrista Teórico é aquele cara para quem uma boa idéia corresponde a 50% de uma obra, e a execução aos outros 50. Nada disso, companheiro. Sem querer desmerecer o valor das boas idéias, eu diria que delas o chão do Amarelinho está repleto. Se você passar lá num sábado de noite com um aspirador de pó, vai chegar em casa com uma média de 2 ou 3 mil boas idéias que nossos gênios em potencial derramaram nababescamente pelo chão, ao longo de uma noite de chope. 

O mundo está cheio de gente disposta a ter boas idéias, mas o que faz mais falta hoje em dia é gente disposta a sentar numa cadeira dez horas por dia, seis dias por semana, e botar essas idéias na ordem em que elas precisam ser botadas.

Um amigo que trabalhou no Globo me contou que de vez em quando o telefone tocava para Chico Caruso, ele atendia, desligava, e suspirava: “Mais um cara com uma ótima idéia para um cartum... O pessoal quer ficar com a parte boa, e deixar comigo o trabalho braçal”. A parte boa de um cartum é ter a idéia. O trabalho braçal é transformá-la num cartum publicável. 

O mesmo ocorre com contos, romances, canções. Todo mundo tem boas idéias. Eu já tive no mínimo um milhão. Desse milhão de boas idéias resultaram algumas músicas, alguns livros. Não mais. Enquanto isto, o Beletrista Teórico liga para um amigo, grande Don Juan, e diz: “Tive uma idéia para uma noitada com uma garota. Você deita ela na cama, e...”






Um comentário:

tibor disse...

Recebo "boas idéias" vez ou outra de beletristas teóricos. Um deles insiste em que eu transforme em livro a idéia dele. E publique tendo ele como co-autor, claro. Eu dou risada, que mais posso fazer?