domingo, 31 de janeiro de 2010

1595) Um cão morrendo de fome (23.4.2008)




A Internet entrou em ebulição algum tempo atrás em torno de mais uma “instalação de arte contemporânea” perpetrada por nossos criativos artistas. Noticiou-se que o costarriquenho Guillermo Vargas, conhecido como “Habacuc”, teria amarrado um cachorro faminto numa exposição de artes plásticas e o deixado ali sem pão nem água, até que ele morreu de fome. Um abaixo-assinado de protesto se alastrou pela rede. Blogueiros pediram a cabeça de Habacuc, sugerindo que na próxima exposição ele amarrasse a própria mãe, etc. e tal.

Eu sou da tribo e conheço os caboclos. Tudo que aparece na Internet com abaixo-assinado sempre me acende uma luzinha de alerta, porque cheira a boato, invenção, lenda urbana. Pesquisei mais um pouco e achei, se não um desmentido categórico, pelo menos uma versão diferente dos fatos. Habacuc de fato usou o cão, mas ele era alimentado diariamente, e só ficava amarrado no salão durante as horas em que a exposição estava aberta ao público. Na parede da sala lia-se a frase “Eres lo que lees” (“Tu és o que lês”) em letras formadas com biscoitos de cachorro; e um aparelho de som tocava o hino sandinista ao contrário. Bem – em termos de arte talvez não seja nenhuma Guernica, mas é muito mais plausível do que a primeira versão. Além disso, o cachorro acabou fugindo depois de alguns dias, numa distração do vigilante.

Quem quiser mais detalhes veja o verbete de Habacuc na Wikipédia, ou consulte o blog português “Varal de Idéias” (em http://cimitan.blogspot.com/2008/04/este-post-repe-as-coisas-nos-seus.html). A Humane Society International (http://www.hsus.org/contact_us/humane_society_international.html#Q_dog_artist) critica a idéia do artista e afirma ser contra o uso de animais vivos em exposições, mas diz que pelas informações que obteve o cachorro estaria vivo, e teria fugido da exposição.

O interessante é que 2 milhões de pessoas assinaram o pedido de boicote à participação de Habacuc na Bienal Centroamericana de Honduras de 2008. Na página que abri agora, são 2 milhões, 147 mil, 980 assinaturas, entre as quais (fui conferir a lista) as de alguns amigos meus. O que me lembra um episódio que contam da vida de São Tomás de Aquino. Já velhinho ele vivia num mosteiro onde dava aulas para os noviços. Estes eram jovens e brincalhões, e resolveram zoar com o mestre. Amontoaram-se numa janela, quando viram que ele se aproximava, e começaram a apontar para o céu, aos gritos: “Vinde ver, Irmão Tomás! Vinde ver um boi voando!” Tomás chegou à janela, protegeu os olhos com a mão e ficou buscando em vão o boi nos ares. Os noviços riram e disseram: “Acreditaste que um boi pode voar?” E ele ripostou: “Achei que seria mais fácil um boi voar do que um religioso mentir”. Pois é – parece que hoje em dia é mais plausível um artista de vanguarda matar um cão de fome do que um desocupado postar uma mentira na Internet. Ó tempos! Ó costumes!

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