segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

1570) Fulorestas urbanas (25.3.2008)



Alguém, ouvindo um grupo como Siba e A Fuloresta, perguntou com certo desdém: “Mas o que tem de novo, o que tem de revolucionário nisso?” Esta é uma pergunta típica de um conceito de arte em o que vale é a revolução, a mudança brusca de tudo que até então existia. O conceito de que as coisas novas de hoje, que destruíram as coisas novas de ontem, devem por seu turno ser destruídas pelas coisas novas de amanhã. É o conceito da moda e do mundo “fashion”, o conceito da indústria cultural: a substituição constante de produtos por outros produtos, de marcas por outras marcas, de fórmulas por outras fórmulas. É – numa frase de Caetano Veloso num dos seus shows – o mundo em que o “novo” é perpetuamente substituído pelo “mais novo”.

Isto cria uma cultura fragmentada, em que tudo tem a existência rentável do sucesso momentâneo mas não se fixa na memória de ninguém. Espera-se uma revolução por minuto, porque segundo esse conceito o critério principal da arte é quebrar a continuidade com o que vinha antes. O que Siba e a Fuloresta fazem é justamente o contrário disso, daí a sua importância. Promovem a continuidade entre o Passado e o Presente; e promovem a proximidade entre pessoas de classes diferentes.

Alguns críticos se espantam que um músico de classe média urbana vá morar numa cidade do interior para trabalhar com músicos populares. Para eles, a distância entre esses personagens é como a de um antropólogo de USP e a tribo de índios que ele vai socorrer. Esse espanto vem de uma incompreensão da distância entre as classes sociais no Nordeste, que é menor (e menos blindada) do que na Zona Sul das grandes capitais sudestinas. As melhores coisas da música brasileira vêm justamente dessa permeabilidade social, do fato de que pessoas de classes sociais diferentes podem ter vivência culturais parecidas ou próximas. O enriquecimento constante e implacável das camadas mais altas as carrega cada vez mais para longe do Brasil dos outros, a tal ponto que parece absurdo ou herético um grupo de artistas promover essa convivência.

O entrelaçamento cultural de classes é muito visível nos artistas das gerações pré-condomínio – aqueles que moravam numa casa melhorzinha numa rua cheia de casas piorezinhas, o que resultava nos garotos jogando bola juntos, indo ao cinema juntos, indo juntos às primeiras festas. Minha infância e adolescência foram assim. Naquele tempo ninguém podia se esconder do Povo num edifício de apartamentos. Era conviver, e sobreviver. Era uma época em que as escolas públicas eram melhores e as escolas particulares eram menos caras, em que as rádios não eram monopolizadas pelos tubarões do show-business local (nem existia show-business!), em que os cinemas ficavam de frente para uma praça e todo mundo podia entrar. O mundo de hoje é um apartheid social velado, que irá se refletir na música de daqui a vinte anos. Quem viver, vá anotando.

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