segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

1568) Os Senhores do Crime (22.3.2008)



David Cronenberg tornou-se um dos precursores do cinema cyberpunk com uma série de filmes de FC onde se misturavam as tramas mirabolantes e uma certa tendência aos efeitos especiais repulsivos que lhe valeram o apelido de “Cronen-bleargh”: Scanners, Videodrome, A Mosca. Dirigiu filmes psicológicos explorando zonas sombrias da alma humana (Gêmeos, mórbida semelhança, M. Butterfly) e adaptou obras literárias que mexem fundo com sexualidade, perversão e drogas (Crash, Almoço Nu). Na verdade, essa subdivisão é desnecessária, porque Cronenberg foi sempre o diretor da morbidez, da paranóia e da perversão, e talvez o diretor, em toda a história do cinema, que produziu as imagens mais repulsivas e inquietantes do corpo humano em estado de destruição, mutação ou mutilação.

Nos últimos anos, ele parece ter abandonado (ou esgotado) essa temática e vem se voltando para o thriller policial. Um bom exemplo disto é Os Senhores do Crime, em cartaz na Paraíba. Qualidade narrativa à parte, não parece um “filme de Cronenberg”, parece um filme de Martin Scorsese ou Clint Eastwood. A história não roça nem de leve pelo fantástico, e explora o envolvimento casual de uma jovem parteira de Londres com as guerras internas das Máfias russa e turca. A única sequência que “parece Cronenberg” é a da sauna, em que o protagonista, nu, enfrenta dois assassinos profissionais vestidos e armados, e derrota ambos – um balé cuidadosamente coreografado e filmado, cuja imensa improbabilidade se dilui justamente pelo insólito do ambiente em que transcorre.

O papel principal é de Viggo Mortensen, que trabalhara com Cronenberg em seu filme anterior na mesma linha: Marcas da Violência. Em ambos os filmes Mortensen tem um personagem que leva vida dupla, e no transcorrer da história revela-se muito mais complexo (e mais perigoso) do que aparenta ser. Em Marcas da violência ele é um pai de família pacato que, depois de reagir à bala a um assalto, passa a ser assediado por mafiosos que dizem ser ele um ex-colega; em Senhores do crime ele é o motorista de um mafioso que parece estar fazendo jogo duplo.

Poderíamos dizer que Cronenberg tem como uma de suas fixações o desdobramento de um indivíduo em duas criaturas, uma delas aparentemente normal, a outra maléfica ou pervertida. Os gangsters de Viggo Mortensen, o transexual de M. Butterfly, os mutantes de Scanners, o escritor drogado de Almoço Nu, o cientista de A Mosca, e assim por diante. Cada um deles traz dentro de si outra criatura, uma criatura com tendências predadoras e monstruosas, que luta para romper o casulo e emergir. Quando o faz, convém aos transeuntes afastar-se o mais depressa que possam. Cronenberg pode ter abandonado os efeitos visuais escatológicos, mas não a sua visão “dark” e mórbida sobre as possibilidades de violência e monstruosidade que jazem por baixo de nossa maquilagem de civilização.

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