sábado, 23 de janeiro de 2010

1563) Histórias Encapsuladas (16.3.2008)





O Prof. Geoffrey Cumbersome voltou a encher o cachimbo com mãos trêmulas. Um colega da Universidade de Oxford lhe encomendara um verbete sobre o tema “Histórias Encapsuladas”, e ele estava apavorado. 

O Prof. Cumbersome era um charlatão. Conseguira todos os seus Mestrados e Doutorados por mero pistolão político, mas seu conhecimento de teoria literária era quase nulo. Agora, teria que “colar” mais uma vez. 

Suando frio com a possibilidade de desmascaramento, cofiou a barba ruiva e estendeu a mão para o volumoso Tratado de Narratologia, de Hanselminth, correu o dedo pelo índice remissivo, abriu o livro na página 714 e começou a ler:

“Em 1923, um distraído turista belga, passeando pelos sebos da Rive Gauche, deparou-se com um livro que portava na capa o nome de Frantisek Holsa. O título: "Os Mundos Concêntricos". 

O Dr. Lefèvre (pois este era seu nome) franziu o sobrecenho. Conhecia bem a obra de Holsa, sobre a qual já escrevera alguns ensaios. Aquele título, contudo, jamais fora mencionado em qualquer texto entre as centenas que já lera sobre o excêntrico novelista tcheco. 

O doutor ergueu o volume com cuidado; era uma edição de 1897, encadernada em couro vermelho com letras douradas. Parecia tratar-se de um livro de meditações filosóficas. Comparando os números das páginas no índice, o Dr. Lefèvre escolheu o da página 45, que parecia o mais curto, pois o conto seguinte começava na 47. Ajustando os óculos, chegou à página desejada e leu:

“Assim como existem, segundo a Ciência, planetas inteiros, em tamanho infinitesimal, com seus continentes e oceanos, boiando numa simples gota dágua, é-nos permitido supor que esta escala decrescente de dimensões jamais poderá ter fim, pois que em cada micro-gota de cada micro-mundo outros mundos menores também estarão contidos, e assim por diante, ad infinitum. 

Várias mentes criativas já enunciaram esta verdade; nenhuma com mais originalidade ou mais ênfase que o pensador andaluz Ahmed Al-Qazari, em sua coletânea de parábolas Visões, escrita durante os anos que passou em Toledo. Em sua “visão” mais conhecida, Al-Qazari assim se exprime:

“Glória a Deus, o Inefável, o Indefinível! Sucedeu-me estar em viagem na estrada que leva de Toledo a Córdoba, acompanhando um grupo de peregrinos, quando o guia que precedia nosso grupo avistou, entre os arbustos à beira da estrada, um baú tombado, aparentemente perdido por uma caravana. 

Recolhemos aquele achado e o levamos conosco até a estalagem onde passamos a noite. Após a ceia discutimos nosso achado e achamos por bem abri-lo, em busca de alguma indicação sobre seu proprietário. Qual não foi nosso espanto quando descobrimos no seu interior, envolto em espessos tecidos protetores, um globo de cristal de estranha luminosidade. 

Colocamo-lo sobre a mesa e avistamos em seu interior o rosto de um homem com espessa barba ruiva, segurando um cachimbo fumegante e gritando em inglês: “Help me! Help me!”



(Este conto faz parte do volume Histórias Para Lembrar Dormindo, Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2013)


Um comentário:

Fraga disse...

Clap, clap, clap!