terça-feira, 12 de janeiro de 2010

1510) “A Sereia do Mississipi” (15.1.2008)


Revi na TV a cabo este obscuro filme de 1969 dirigido por François Truffaut, que nem mesmo seus maiores fãs costumam incluir entre seus melhores trabalhos. Foi um filme relativamente caro, com duas grandes estrelas (Catherine Deneuve e Jean-Paul Belmondo) no auge da fama e do talento, e filmagens em vários lugares da França e na Ilha de Reunião, perto de Madagascar. Sofreu cortes de 13 minutos para passar nos EUA, e a versão que passa hoje na TV é a versão restaurada, com mais de 2 horas de duração.

O filme, baseado no romance Waltz into Darkness de Cornell Woolrich, conta a história de um industrial na ilha de Reunião que arranja uma namorada por correspondência e a pede em casamento. Quando a noiva chega de navio, é Catherine Deneuve. Ele acha que tirou a Mega-Sena, mas logo começam a surgir – como em toda história de noivado por correspondência ou de casamento por procuração – a suspeita de que está havendo um erro (ou usurpação) de identidade. É um enredo com reviravoltas, que começa num clima de mistério e depois ruma na direção de um policial “noir” bastante próximo ao Atirem no Pianista do mesmo Truffaut, que comentei há algumas semanas.

Consultando o inestimável IMDB (Internet Movie Data Base) fiquei sabendo de duas cenas que foram cortadas nos EUA, o que diz bem do que são as expectativas do mercado americano. Uma delas é uma cena em que o casal está sentado diante de uma lareira e Belmondo elogia a beleza de Deneuve, tocando-lhe o rosto com os dedos. É uma cena que tem ternura e sensualidade, e ao mesmo tempo aquele distanciamento voyeurístico dos diretores da nouvelle vague, que pareciam amar as imagens mais do que as coisas. Outra é a cena em que quando Belmondo viaja Deneuve entra num estúdio (onde há a placa” Grave aqui sua mensagem!”) e grava num pequeno compacto de vinil uma declaração de amor para o marido; ao sair do estúdio, distraída, quase é atropelada por um carro e deixa o disco cair e quebrar-se. São pequenas cenas que os autores de manuais de roteiro tipo Syd Field provavelmente mandariam cortar, porque não avançam a ação nem definem o personagem; e são duas cenas que considero perfeitas.

A Sereia do Mississipi, Atirem no Pianista, e também Pierrot Le Fou de Godard são maneiras francesas de focalizar o tema tradicional do “filme noir” americano: um homem decente que, apaixonado por uma mulher, vai de degrau em degrau rumo ao crime, à marginalização e à morte, mas nada o faria mudar de idéia. O filme mostra a influência de Hitchcock (a dupla personalidade de Deneuve, e a paixão que ambas despertam, lembra Um Corpo Que Cai). Mas o crítico D. Fienberg (no saite “Epinions”) observa: “Truffaut só consegue fazer um filme de Hitchcock até um certo ponto, e logo está fazendo um filme de Truffaut”. Isto é o maior elogio que um grande cineasta pode receber – a incapacidade de não ser ele mesmo.

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