segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

1504) “O Amor nos Tempos do Cólera” (8.1.2008)



Não li o romance de Gabriel Garcia Márquez em que se baseou este filme de Mike Newell, em cartaz na Paraíba. Talvez esta lacuna me dê um pouco de imparcialidade para julgar o filme, pois não estarei influenciado pela paixão que me desperta a prosa do colombiano. Numa entrevista à TV, Márquez já afirmou que o mais importante de seu texto é a voz narrativa e o ritmo encantatório que ela impõe ao leitor. Ele admite que muitas coisas ditas ou contadas por essa voz que cria seus livros são irrelevantes ou contraditórias, mas estão ali porque mantêm o ritmo, mantêm hipnotizado o leitor. “Bastaria uma palavra errada”, diz ele, “e todo o encantamento se quebraria, o leitor deixaria de acreditar no que lê”.

Sua prosa – inclusive os poucos trechos que já li do “Amor nos Tempos do Cólera” – consegue essa proeza de atingir um máximo de ritmo e melodia (inclusive pela escolha cuidadosa dos verbos, dos objetos de cena, do riquíssimo contexto cultural por trás de um simples quarto ou uma simples vestimenta), e um máximo de história contada. Porque a história (os enredos de GGM são sempre inusitados) poderia em tese ser contada por quaisquer outras palavras, mas ele consegue contá-las com aquela prosa emblemática, sensorial, cheia de carnaduras visuais inesquecíveis.

Na tela do cinema, esse brilhantismo estilístico se desfaz nas mãos de diretores que, talvez amarrados ao dever de fidelidade ao argumento original, conseguem mantê-lo, mas sem produzir uma voz narrativa que transfixe o espectador, obrigue-o a prender a respiração a cada mudança de cena, desoriente-o e seduza-o pelas imagens, a tal ponto que ele nem perceba a história que está assimilando. Esta adaptação de Mike Newell tem numerosas qualidades, mas são todas as qualidades daquilo que em crítica de cinema chamamos de “artesanato competente”. O filme é bem feito, inclusive nas colaborações a cargo de dois brasileiros, o fotógrafo Affonso Beato e o autor da trilha sonora, Antonio Pinto (filho de Ziraldo). Fernanda Montenegro faz com firmeza um papel secundário, e o elenco em geral é bom. Mas todos os triunfos do filme têm um gosto de gol de pênalte.

São muitas as adaptações de romances latino-americanos, por diretores europeus ou dos EUA, que têm esse mesmíssimo perfil. Nota-se que o cineasta ama a obra original, procura ser-lhe fiel, mas parece o tempo inteiro estar lidando com algo que, escrito em outro idioma, recusa-se obstinadamente a deixar-se traduzir. Falta doidice a esses filmes, a doidice e imprevisibilidade dos personagens de GGM. O filme é belo e agradável, mas nós não conseguimos ver a história de Florentino (e seu amor impossível pela mesma mulher, durante 51 anos) do ponto de vista desse sonhador. Vemo-la por um ponto de vista como o do seu rival, o médico: frio, correto, impassível, suavemente autoritário, e ao mesmo tempo totalmente cego para o que se passa à sua volta.

Nenhum comentário: