sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

1462) Os dois críticos (20.11.2007)


(João Alexandre Barbosa)

Participei neste fim-de-semana da “Balada Literária” que aconteceu em São Paulo, organizada por Marcelino Freire e Maria Alzira Brum Lemos. Foram numerosos lançamentos, shows, debates, recitais poéticos, etc., mas para mim o ponto alto foi a mesa do domingo, uma homenagem póstuma ao crítico João Alexandre Barbosa que reuniu Antonio Cândido, Davi Arrigucci Jr. e Boris Schnaidermann. Fiquei feliz (e um pouco intimidado) ao ver pela primeira vez em carne e osso, à minha frente, esses três indivíduos cuja obra leio (desorganizadamente, confesso) há cerca de quarenta anos.

Antonio Cândido declarou, a certa altura, que João Alexandre Barbosa foi um personagem da transição do crítico literário de jornal para o crítico literário acadêmico. Ele lembrou que até a década de 1930 não existiam cursos superiores de Letras no país, e os críticos de literatura, quando formados, vinham de áreas como o Direito, e exerciam a crítica através dos jornais. Críticos de jornal foram figuras ilustres como José Veríssimo, Sílvio Romero e tantos outros, até que pouco a pouco começaram a surgir gerações sucessivas de indivíduos formados em Letras, cuja atividade crítica e teórica se dava nas revistas universitárias, nos congressos, nas coletâneas de artigos acadêmicos, e no magistério propriamente dito.

Para Cândido, João Alexandre foi um dos primeiros grandes nomes dessa transição entre a crítica de jornal (mais ensaística, mais “literária”) e a crítica acadêmica, mais rigorosa e investigativa. A geração de Cândido começou publicando em jornal, e depois ascendeu à Universidade; a geração de Barbosa já estreou na crítica acadêmica.

Cândido fez um elogio singelo e respeitoso à atividade crítica de jornal, que ele classificou como “crítica de risco”, porque é feita no calor da batalha, avaliando, meio de improviso, obras de estréia assinadas por autores desconhecidos. O crítico acadêmico, disse ele, muitas vezes se refugia sob o manto protetor de um Camões ou de um Machado. Corre o risco de erro de avaliação, mas não de erro de escolha. Já o crítico de jornal recebe um livro hoje, de alguém de quem nunca ouviu falar, e tem alguns dias para ler e dar seu diagnóstico.

Cândido recordou o dia em que recebeu um livro com o título Perto do Coração Selvagem e não sabia se “Clarice Lispector” era de fato uma mulher ou um homem escrevendo sob pseudônimo. A obrigação de julgar o livro em si pode levar a erros, a arrependimentos futuros (por ter elogiado, ou por ter descido o sarrafo), mas este é um perigo que o crítico acadêmico raramente corre, porque em geral pode escolher seus objetos de estudo. E o mestre da USP criticou uma certa mentalidade que ainda vigora em setores da academia, a de que a Universidade só pode estudar autores mortos, “porque o autor vivo ainda é uma incógnita”. É um recuo estratégico para o terreno do lugar comum; um medo de correr riscos defrontando-se com um texto inclassificável de um autor desconhecido.

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