sábado, 26 de dezembro de 2009

1452) O arco-íris de Feynman (8.11.2007)



Richard Feynman é um cientista citado volta e meia aqui nesta coluna como uma das mentes mais criativas e menos convencionais da Física moderna. Um interessante livro a seu respeito é O Arco-Íris de Feynman de Leonard Mlodinow (Rio de Janeiro, Sextante, 2005) em que o autor narra o período em que foi bolsista no Caltech (California Institute of Technology) onde Feynman trabalhava. Mlodinow era um jovem cientista inseguro quanto ao caminho a seguir; Feynman estava encarando um câncer que já o levara a várias cirurgias e que acabaria por matá-lo alguns anos depois. Os diálogos entre os dois (gravados em fita) são uma das partes mais interessantes do livro.

Feynman costumava dividir os cientistas em dois tipos: os babilônios, que observavam o comportamento da Natureza e tentavam deduzir suas leis ou constantes, e os gregos, que desenvolveram um sofisticado sistema de idéias cuja validade dependia de idéias anteriores (axiomas, postulados, demonstrações lógicas, etc.). Os cientistas de espírito grego procuram teorias matemáticas sobre o Universo, cuja beleza ou elegância os convença de que são verdadeiras. Os de espírito babilônio procuram teorias que expliquem os fenômenos, mesmo que sua demonstração matemática seja pouco ortodoxa. Era o caso de Feynman.

No capítulo 17, Feynman compara a criatividade do cientista com a do escritor. Ele diz que na juventude tentou escrever histórias de ficção. Pegou como modelo um volume de contos populares dos Irmãos Grimm e achou que não seria muito difícil escrever uma daquelas histórias. E ele diz: “Não consegui fazer nada que não fosse uma rearrumação do que já tinha lido. Percebi que infelizmente, quando recombinava aqueles elementos, era incapaz de criar uma trama essencialmente diferente, uma saída criativa, enquanto na história seguinte havia sempre um tipo de surpresa que a distinguia das demais”.

Feynman desistiu porque pelo seu julgamento cada história recolhida pelos Irmãos Grimm tinha um “pulo do gato” que ele não sabia reproduzir. Era-lhe muito mais fácil ser anticonvencional na Física Quântica do que nos contos de fadas. Ao meu ver foi apenas uma questão de desistência prematura, e é possível que uma mente como a de Feynman conseguisse acabar criando algumas histórias aceitáveis. Contos populares como os dos irmãos Grimm (que não foram escritos por eles, como se sabe, mas recolhidos em pesquisas com pessoas idosas de regiões remotas da Alemanha) exibem uma tensão entre o tradicional e o inesperado. Obedecem a estruturas muito rígidas, que já foram analisadas, por exemplo, por Vladimir Propp; mas dentro dessas estruturas, que são complexas, as variações podem ser incontáveis. Feynman desistiu de escrever pelo mesmo motivo por que tantos outros indivíduos não se tornaram escritores: tinham a inteligência para entender o modelo, mas não tiveram motivação emocional para apossar-se dele, desobedecer-lhe, violentá-lo, enriquecê-lo com novidades.

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