terça-feira, 15 de dezembro de 2009

1427) Uma proposta irrecusável (10.10.2007)



Um amigo me disse certa vez, comentando fofocas políticas que circulavam nos bares da época: “Não existem propostas irrecusáveis. O que existe são indivíduos que vivem com o aceitador aberto.” O conceito de proposta irrecusável lembra um pouco aquela questão científico-escolástica: “O que acontece se derramarmos um solvente perfeito num recipiente invulnerável?” ou “O que acontece quando uma força irresistível se choca com uma barreira impenetrável?” Questões desse tipo são falácias, porque envolvem conceitos que se excluem. Se no universo existe uma força irresistível, então não pode haver uma barreira impenetrável. E vice-versa.

O que acontece quando um indivíduo absolutamente honesto recebe uma proposta (desonesta) irrecusável? A questão aqui é mais sutil. Não estamos lidando com a nitidez dos conceitos científicos, e sim como o universo turvo da mente humana, refletido no espelho embaçado das palavras. Não existe proposta irrecusável. Sempre vai haver um desmancha-prazeres para quem as vantagens da proposta (dinheiro, fama, poder, o que fôr) nada importam, ou importam menos que seus próprios valores. E nem precisam ser valores grandiosos, como nobreza de caráter ou retidão de princípios. Basta ser o Ego. Tem sujeito que recusa uma proposta irrecusável só para humilhar o proponente, só para dizer: “Dane-se. Sou melhor do que você”.

Uma maneira diplomática de recusar uma proposta é cobrar um preço absurdo. O sujeito me oferece um emprego com salário de 2 mil reais. Como eu não quero recusar assim, “na lata”, digo que só iria por 10 mil. No outro dia ele me telefona, diz que consultou o Conselho Diretor ou coisa parecida, e que tudo bem, dez mil. E agora? Existe uma saída meio cara-de-pau, que é dizer: “Olha, Anacleto, se você aumentou de dois para dez com essa facilidade, então pode muito bem me pagar vinte. Só vou por vinte”. O que não resolve o problema, porque talvez ele volte a concordar.

Propostas irrecusáveis sempre envolvem dinheiro. Esse conceito foi criado por pessoas que têm muito dinheiro para tentar convencer a nós, que o temos quase nenhum, de que o dinheiro tudo pode. Digamos que um conhecido meu, esborrotando de rico, me chama para ir tocar violão na festa de aniversário dele. Eu digo, “Ora, Fulano, vai te catar, sou um homem ocupado”. Ele diz: “Cem mil reais, ‘cash’, à vista”. E agora? O cara pode gastar isso sem nem piscar o olho, e está falando sério. Vou ou não vou? Talvez não fosse, só pra desmoralizar o Capitalismo.

A vida empresarial e política está cheia de propostas irrecusáveis. Não o são porque envolvam fortunas fabulosas, mas porque são propostas feitas no momento certo ao indivíduo que está com a aceitação engatilhada. O proponente hábil sabe que em certas portas não adianta bater. A proposta irrecusável é aquela que ele já sabe ter sido aceita antes de ser formulada, e o valor financeiro é uma mera cortina de fumaça para desviar as atenções.

Um comentário:

Ricardo Moreno de Melo disse...

Bráulio, muito interessante essa questão de "proposta irrecusável". Me faz lembrar uma historinha que me foi contada pelo Antonio Augusto Fontes sobre o jornalisata Assis Chateaubriand. Talvez você conheça, de todo modo é o seguinte: o ilustre jornalista estava em uma festa e viu uma mulher muito bonita, a qual despertou nele um desejo sexual incontrolável. Ele então procurou um acessor que, transformado em emissário,foi ao encontro da mulher fazer uma "proposta irrecusável". Era uma soma em dinheiro que era realmente difícil de não aceitar, ainda mais levando-se em conta que era só para uma noite. Ela topou, e daí o acessor apresentou um ao outro e a conversa fluiu. Acontece que lá pras tantas, o jornalista mencionou a metade da quantia antes oferecida pelo acessor, o que fez a mulher ter o semblante transformado e por fim dizer pra ele: "você está pensando que eu sou que??" No que respondeu Chateaubriand: "o que a senhora é já sabemos, agora é só uma questão de preço".
Pois é, este parece ser um caso em que a quantidade (dinheiro) consegue alterar a qualidade (o ser ou não ser da mulher).
Um grande abraço e parabéns pelo blog!
Ricardo Moreno