sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

1414) O drible da foca (25.9.2007)



O futebol, tão propenso a discussões bizantinas, tem um novo tema na berlinda. Trata-se do famoso “drible da foca” que tem sido posto em prática pelo jovem jogador Kelson, do Cruzeiro de Belo Horizonte. O drible consiste em levantar a bola e equilibrá-la na testa enquanto corre, ou então ficar fazendo embaixadinhas de cabeça, à medida que se avança na direção do gol adversário. Dias atrás Kelson fez essa gracinha num jogo contra o Atlético e o jogador adversário Coelho deu-lhe um tranco que quase o arremessa para fora do campo.

Torcida e críticos se dividiram. Para uns, Kelson é um jogador habilidoso, cheio de talento, e Coelho um brucutu que recorreu à violência quando lhe faltou técnica. Para outros, Kelson (cuja equipe estava ganhando o jogo) fez essa gracinha para tripudiar sobre o adversário em desvantagem, zombando dos companheiros de profissão, e Coelho deu-lhe um chega-pra-lá para exigir mais respeito.

O futebol anda tão pobre que um jogador que inventa uma brincadeira nova devia ser condecorado. É o caso de Kelson, e o de Alexandre Pato, que no recente Mundial Interclubes andou correndo e equilibrando a bola com toque de ombro. São jogadores jovens, hábeis, e têm todo o direito de jogar como jogam. O drible da foca incomoda os zagueiros porque é quase impossível tomar a bola do atacante. Tirar com o pé é jogo perigoso, tiro livre indireto. Tirar com a cabeça ainda dá, mas não sem projetar o corpo sobre o corpo do atacante, e aí é falta. Nas vezes em que vi Kelson executar o tal drible, ele estava sempre nas proximidades da área: levantava a bola e partia para dentro da área, para cavar um pênalte. Erro? Menosprezo? De jeito nenhum. Chama-se a isto futebol bem jogado.

Um jogador hábil com a bola nos pés enfrenta um zagueiro truculento com a destreza e a frieza com que um toureiro encara o touro. Em geral, consegue se safar por uma fração de segundo, porque sabe que o outro entra com intenções homicidas. O drible da foca, executado em cima de um time que está perdendo, não é mais ofensivo do que o famigerado “olé” que já virou uma tradição do futebol. Para quem está com placar adverso, qualquer coisa soa como desaforo: embaixadinhas, lençol, passe de calcanhar, linha de passe, goleiro recebendo a bola com o peito...

O futebol está chegando aos próprios limites. A violência de antigamente era praticada por jogadores broncos, limitados, que se apavoravam quando não conseguiam parar um adversário habilidoso. A violência de hoje é uma violência planejada na prancheta, nos vestiários, programada com o auxílio do videotape: “quando ele vier pra cá, você derruba”. Técnicos e dirigentes não querem um Kelson no time: querem um brucutu capaz de parar Kelson com um encontrão, porque sabem que talento é difícil de encontrar e difícil de manter sob controle, e os brucutus sempre se dão bem com os técnicos e com os cartolas. Por que será?

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