sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

1396) A pedra no meio do caminho (4.9.2007)



Encontrei por vinte reais num sebo do Largo da Carioca o livro Uma pedra no meio do caminho – biografia de um poema de Carlos Drummond de Andrade (Editora do Autor, 1967), que algum tempo atrás estava à oferta na Estante Virtual por R$ 250,00. O livro consiste numa compilação minuciosa (e eu diria quase neurótica) de referências, em órgãos da imprensa e em livros, ao famoso poema de Drummond. A impressão que dá é que o poeta fez o livro graças a uma assinatura do Lux Jornal. uma famosa empresa que nos tempos pré-Internet recortava a nosso pedido (e pagamento), de todos os jornais, qualquer menção a um nome ou um assunto do nosso interesse.

São pouco mais de 400 itens reunidos pelo poeta, incluindo traduções, paródias, respostas, paráfrases; menções ao poeta e ao poema em crônicas, notícias, comentários políticos, resenhas, etc. O livro tem uma apresentação de Arnaldo Saraiva, analisando o poema e seu impacto. As respostas variam, desde as explicações filosóficas até a galhofa gratuita, desde a análise métrica até vituperações indignadas contra o Modernismo. Há trechos (contra ou a favor) de Vinicius de Morais, Sérgio Porto, Gilberto Freyre, Virginius da Gama e Melo, Lygia Fagundes Telles, José Lins do Rego... Dois sintomas se repetem insistentemente. O primeiro é a irritação dos articulistas diante da banalidade do tema. Eles se aborrecem com o fato do poeta estar prestando atenção a uma pedra, quando existem coisas muito mais importantes, mais dignas da inspiração poética. E outra é a briga dos críticos contra o uso da forma verbal “tinha” em vez de “havia”. Dizer em 1930 “tinha uma pedra no meio do caminho” era algo plebeu e agressivo para os ouvidos cultos dos praticantes e leitores da poesia.

Folheando este livro, entendi por que num poema Drummond diz ser, entre os poetas, “não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa”. O que se galhofou do poeta mineiro nessa época não está no gibi. O crítico Gondin da Fonseca é o que aparece mais vezes, fazendo todo tipo de provocação, deboche, imitação, demonstrando claramente o quanto a pedra o incomodou.

O livro tem seções temáticas: “Reação pelo ridículo”, “Não sai da cabeça”, “Os amigos da pedra”, “E os inimigos”, “Emoções de viagem”, “Troca de autoria”, “A pedra na administração pública / na advocacia / na economia / no esporte / na escola...”, etc. Na última seção, “O poema visto pelo autor”, vêm citações de artigos ou entrevistas do próprio Drummond, meio encabulado por ter causado tanta celeuma e dizendo que o poema nem é tão ruim nem tão bom quanto se diz. Ele também inclui o poema em prosa “O enigma”, de 1947, que aqui nesta coluna (“O obscuro enigma de Drummond”, 12.12.2004) já interpretei como uma resposta ao outro. O poema mostra o ser humano visto pela pedra-no-caminho, numa inversão de ponto de vista que me parece óbvia mas que nunca vi ninguém mencionar.

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