quarta-feira, 11 de novembro de 2009

1360) Adeus, Zé Agrippino (24.7.2007)



(as três edições de Panamérica)
 

O Brasil ainda não sabe, e talvez não venha a saber jamais, mas perdeu no dia 4 de julho passado um dos seus escritores mais fora-de-esquadro. (Para o leitor casual desta coluna, vou logo esclarecendo que esta é uma das expressões mais elogiosas do meu dicionário) 

Morreu no interior de São Paulo, aos 69 anos, José Agrippino de Paula, cujos livros Lugar Público e Panamérica, emprestados por Lula e Chico Pereira, abriram no meu cérebro de garoto de 17 anos uma janela que nunca mais se fechou. São obras primas? Não sei. São um modelo a ser seguido? Acho que não. E aliás são dois livros diferentíssimos, que bem poderiam ter sido escritos por dois camaradas diferentes. Mas eles revelaram para mim uma dimensão nova das possibilidades da imaginação e da linguagem, algo parecido com o que o cinema de Godard, as colagens de Max Ernst e a música dos Beatles estavam me revelando na mesma época. 

Dez anos depois eu morava em Salvador e trabalhava com Guido Araújo no Clube de Cinema da Bahia, que funcionava nas instalações do Instituto Goethe, ou ICBA (Instituto Cultural Brasil-Alemanha). 

Na biblioteca do Instituto eu já tinha descoberto uma edição artesanal, em inglês, de uma peça de Agrippino: The United Nations, que inaugurou para mim um novo gênero literário, a “peça não-encenável”, porque as rubricas dizem o tempo todo coisas como: “Neste momento, o palco é invadido por 50 legionários romanos com 3 metros de altura, que matam todos os atores e desaparecem dentro de um aquário” – tipo isso. 

Tivemos a idéia de exibir o único longa-metragem dirigido por ele, Hitler Terceiro Mundo, um filme que Caetano Veloso volta e meia elogia na imprensa. A única cópia acessível era do próprio Agrippino, que morava em Arembepe ou arredores. No dia aprazado surgiu no ICBA aquele sujeito alto com cara de índio asteca e cabelos nos ombros, vestindo uma bata indiana branca ou coisa parecida, com as latas de filme embaixo do braço. 

Eu o recebi, mandei sentar, ofereci cafezinho; consegui não pedir autógrafo. Ao abrir as latas, vi que o filme era uma cópia velha, cheia de emendas com fita durex. Pedi licença a Agrippino para levar o filme para a moviola, no andar de cima, e refazer as emendas, para a fita não ficar partindo durante a projeção. Ele cofiou uma barba inexistente, perguntou se ali tinha moviola, eu confirmei, e ele disse; “Então aproveite e remonte o filme todo. Pode ficar mais interessante”. 

Não remontei, claro, apenas consertei as emendas; mas isto dá uma idéia de como funcionava a mente desse sujeito cujos livros foram reeditados pela Editora Papagaio, de São Paulo (e comentados aqui: “José Agrippino de Paula”, 13.6.2004). 

Todo escritor brasileiro, por maior que seja, divide um nicho histórico com os que compartilham com ele um universo geográfico, ou um estilo, ou uma área temática. No nicho ocupado por Zé Agrippino existe apenas ele, e os dois livros indestrutíveis que nos deixou.






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