quarta-feira, 4 de novembro de 2009

1348) A bala e a vítima (10.7.2007)



Ando pensando num filme documentário no estilo daquelas reportagens esportivas que acompanham, por exemplo, dois boxeadores que vão disputar um título no fim do ano. Uma equipe de filmagem cola em cada um, e vão seguindo os seus passos, registrando seu cotidiano, etc. No final o filme é editado em paralelo, mostrando lá e cá o trabalho de preparação de ambos, em duas linhas que convergem para a noite daquela luta histórica.

Suponhamos, então, que uma equipe inicia seu trabalho numa maternidade do Rio de Janeiro, documentando a chegada de uma paciente, o parto, a volta para casa. Passam-se os meses e os anos; vemos a criança crescer, ir à creche, ir à escola. Acompanhamos sua aprovação no vestibular, sua formatura, seu casamento. Tudo isto através de flashes muito rápidos, é claro, uma técnica já consagrada de documentarismo do cinema e da TV. Temos em alguns minutos um compacto da vida inteira de uma pessoa, e a vemos chegar à vida adulta, à vida profissional, ao nascimento dos primeiros filhos.

Enquanto isto, uma outra equipe de filmagem estará documentando as atividades de uma fábrica de munição. Não tenho muita idéia de como se dá este processo industrial, mas não é nada que alguns dias de pesquisa não resolvam. Podemos começar desde a extração e a fabricação das matérias primas (o chumbo, a pólvora, etc.), indo em seguida para o processo de fabricação das balas e das cápsulas de metal. Como balas não são fundidas individualmente, acompanharíamos com a câmara e o microfone (captando as explicações dos técnicos) a preparação de um lote específico, que deve ser de alguns milhares, até que a pesquisa fosse se fechando em torno de algumas centenas ou dezenas de projéteis que seriam encaixotados e remetidos para o comércio.

Na loja registraríamos a chegada daquela caixa de munição, e, atendendo a um chamado previamente combinado do lojista, documentaríamos o momento em que a caixa que nos interessa seria vendida para um cliente, que poderia ser o Exército, a Polícia, ou algum particular. Nele se concentraria então a nossa cobertura, com a ressalva de que seria preciso o revezamento de equipes para um plantão 24 horas por dia à espera do momento em que aquela bala específica fosse colocada na arma, e o momento do disparo – quando então as duas equipes de filmagem se cruzariam pela primeira vez, e se filmariam reciprocamente.

Sei muito bem dos problemas de produção envolvidos, porque na verdade não se pode prever quanto tempo teríamos de acompanhar a vítima desde o nascimento até ela receber o tiro – poderiam ser apenas 10 anos, mas poderiam ser 70. Quanto à bala, o problema seria não nos perdermos, pelo fato de que toda bala se parece (não acho que cápsulas tenham numeração individual, ou coisa assim) e a qualquer momento poderíamos perder a trilha e sair acompanhando um projétil diferente do que vínhamos seguindo até então. Mas enfim – vocês pensam que é fácil fazer cinema no Rio de Janeiro?

Um comentário:

Fraga disse...

Ducaraio.