quarta-feira, 4 de novembro de 2009

1346) Dois tipos de autor (7.7.2007)


(Thomas Ligotti)

Na literatura existem dois focos distintos (para simplificar uma situação muito mais cheia de nuances) onde se concentram duas formas de produzir textos. Vamos chamá-los de Alta Literatura e de Literatura de Massas. Na primeira estão aqueles autores que constituem o cânone literário, os mais capazes praticantes da arte. São autores diferenciados, personalíssimos, de perfil inconfundível, mas compartilham alguns traços: visão profunda e complexa do mundo e da vida; e domínio da palavra escrita capaz de recriar a profundidade e complexidade dessa visão.

Na Literatura de Massas a visão é mais rasa e não vai muito além do que é consensual ou largamente aceito. É uma visão com menor índice de contribuição individual, e mais apegada ao clichê. O estilo não inova, apenas procura usar com eficiência os recursos expressivos criados por outros autores e já assimilados pelo público. O típico autor da Literatura de Massas procura criar poucos problema para ser compreendido pelo leitor. O que ele quer é ganhar tempo e “ir direto ao assunto”.

Na Alta Literatura, o Inconsciente está presente no processo de auto-revelação implícito no ato da escrita, e da escrita considerada de alto nível. Todo o material inconsciente que aflora durante o processo de criação é assimilado pelo intelecto criador e regente, ao qual cabe dar a última palavra. Por mais que o autor de Alta Literatura pareça delirante, caótico, incoerente (neste aspecto pode-se pensar na primeira impressão causada por um texto de James Joyce, ou Samuel Beckett), percebe-se afinal na elaboração do texto um intelecto poderoso em ação, mesmo que seja um intelecto trabalhando num plano além do racional.

No caso do autor da Literatura de Massa, pode-se dizer que, em vez de dominar o texto, é dominado por ele. Este tipo de autor escreve para consumo imediato. Não o faz para exprimir idéias pessoais ou suas próprias emoções, mas para satisfazer as expectativas de um público. Recorre a si mesmo porque isto é inevitável no processo da escrita, mas para ele importa muito mais “o que o público quer ler” do que “o que eu tenho a dizer”. Como diz o escritor Thomas Ligotti, “a arte é feita para exprimir as emoções do artista; o entretenimento é feito para produzir emoções no público”.

Pela natureza de seu ofício, o autor de Literatura de Massas dialoga com o público de maneira mais superficial que o outro Autor, mas de uma maneira mais próxima e imediata. O autor das Massas é um sismógrafo do gosto que lhe é contemporâneo, do Espírito do Tempo. Se o grande autor revela seu próprio Inconsciente, cabe ao autor popular revelar o Inconsciente Coletivo de sua sociedade e de sua época. Dois grandes grupos de autores podem servir como exemplos típicos deste processo: os autores de folhetins europeus do século 18 (Alexandre Dumas, Ponson du Terrail, Eugene Sue, etc.) e os autores da “pulp fiction” norte-americana nas décadas de 1920-1940.

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