sábado, 24 de outubro de 2009

1314) Escrever cansa (30.5.2007)




(ilustração: Franz Masereel)

A maioria dos aspirantes a escritor desiste no meio do caminho, e uma razão para isto é que escrever é uma coisa muito cansativa. 

À primeira vista parece que não, e muitos jovens derivam na direção da literatura porque ela parece um modo de trabalhar sem fazer força, diferente do ofício extenuante de quebrar pedras com uma britadeira ou de dirigir um ônibus urbano. 

Comparada a estes casos extremos, claro que a literatura lembra um oásis de sombra e água fresca, mas a verdade é que ela exige não apenas obstinação e paciência, como também um certo preparo físico.

Idéias todo mundo tem, mas não são muitas as pessoas capazes de sentar a uma mesa, seja diante de um caderno ou de um computador, e passar duas, quatro, seis horas seguidas tentando passar suas idéias para o papel, uma tarefa tão extenuante quanto somar à mão colunas e mais colunas de números com dezenas de algarismos. 

Escrever parece com isso: fazer contas de cabeça. É preciso estar ligado o tempo inteiro, mantendo na memória os resultados parciais até poder chegar na parte de baixo, pensar “345”, colocar o “5”, dizer “vai 34”, e prosseguir.

Essa necessidade de uma concentração quase desumana cobra seu tributo ao físico. O fato de um escritor passar o tempo inteiro sentado é enganoso. Escrever cansa, do mesmo jeito que uma viagem internacional de avião, daquelas em que o cara fica afivelado na poltrona durante 8 ou 10 horas, também cansa. 

Cansa pelo fato da gente precisar ficar preso àquela posição, e pela tensão permanente de estar com todas as lâmpadas da mente ligadas ao mesmo tempo, consumindo mais energia do que uma decoração natalina. Daí que muitos escritores intercalam sua atividade com caminhadas em volta do quarteirão ou, no caso dos mais displicentes, com idas freqüentes à cozinha e à geladeira.

Além do desgaste físico, há o desgaste social. Com exceção de Sartre, que escrevia à mão nas mesas dos cafés parisienses, o trabalho literário se dá entre quatro paredes, em isolamento. É uma atividade anti-social, que deixa o seu praticante com remorsos cada vez que sai para jantar com amigos: “Eu devia estar trabalhando...” 

Muitos atenuam este sintoma usando um caderninho de bolso, no qual, de quando em quando, fazem anotações sub-reptícias, para convencer a si próprios de que não estão malbaratando seu tempo.

É por causa dessa tendência forçada ao isolamento e ao silêncio que muitos escritores adotam técnicas contrárias: ditam em voz alta para um gravador ou para uma taquígrafa, por exemplo. Isto lhes permite “escrever” andando a passos largos pelo aposento, gesticulando, fazendo pequenas encenações teatrais dos diálogos entre seus personagens, indo à janela, sentando no sofá, levantando de novo... 

Escrever assim descontrai os músculos, alivia a coluna, previne as varizes. Ajuda a enfrentar essa atividade imobilizante e cansativa. Ser escritor só perde para ser Grande Mestre do Xadrez.



Um comentário:

Laura Fuentes disse...

Poxa, Braulio, é isso mesmo. Mas, como dita aquela máxima, dói mas é bom...rs