quarta-feira, 21 de outubro de 2009

1305) Os ensaístas (19.5.2007)





(Ilustração: designsbylili.com)

Um típico ensaísta americano, analisando o estilo de um autor, diria algo como: 

“O estilo de John Smith se baseia na ambigüidade das palavras, das frases, e de períodos inteiros”. 

Um típico ensaísta francês diria algo como: 

“O texto de John Smith: devir que nunca se presentifica por completo, existindo em estado de fluxo impalpável, movimento puro, indefinível à observação; matéria coleante, dado mallarmeano em movimento, sempre a apresentar-nos uma face diferente, numa perpétua mutação cuja perpetuidade acaba por se cristalizar em sua fisionomia; seu ser consiste num vir-a-ser incessante”.

Ou seja: de um lado temos um estilo preciso, claro, cujo autor procura pensar longamente sobre o objeto estudado e depois registrar suas impressões da maneira mais direta possível. 

Do outro lado, temos um estilo que parece inventar a si próprio à medida que avança, repetindo as mesmas coisas com palavras diferentes enquanto vasculha os próprios bolsos de onde retira moedas de diferentes nacionalidades e valores.

Tenho para mim que estilos desse tipo crescem contemplando-se uns aos outros, e afirmam-se através da recusa, da dissensão. “Ah, é assim que você faz? Pois é assim que eu não vou fazer”. 

Deve ter havido um momento em que a linguagem oficial do ensaísmo universitário era seca, precisa, direta, assemelhando-se a um informe governamental ou ao relatório de um legista que acabou de dissecar um cadáver. Tudo era muito nítido e preciso. Alguns estudiosos sentiam-se desconfortáveis diante desse cientificismo burocrático, pseudo-objetivo, empobrecedor. 

Começaram a apelar para a literatura. No interior daquele ensaísmo sem nuances começou a brotar um grupo dissidente que escrevia do jeito que pensava: tortuosamente, emocionalmente, esbanjando metáforas e subentendidos, criando um percurso em ziguezague entre quaisquer duas idéias por mais próximas que fossem. Este estilo literário surgiu, na aridez vigente, como um oásis de exuberância, de subjetividade, de calor humano, de sabor estilístico para ser degustado por seus próprios méritos.

Tempo vem, tempo vai, de repente foi esta maneira de escrever que se encastelou na torre de comando. Para ser um ensaísta respeitado, era preciso escrever nessa mistura de cartesianismo conceitual e barroquismo retórico. 

Ao ler estes ensaístas, somos tentados muitas vezes a manter a ponta do indicador esquerdo em cima do sujeito da frase, para não perdê-lo de vista, à espera de que, depois de tantas interpolações, de digressões, de ressalvas parentéticas, possa enfim surgir várias linhas abaixo, como se fosse o troar distante de um trovão que só se faz presente algum tempo depois do relâmpago que o produziu, o respectivo complemento. 

O ensaísmo de alto nível virou um baile setecentista onde vigoram as perucas, os espartilhos, as múltiplas saias, as jaquetas bordadas, e onde é quase um “happening” nudista dizer uma frase curta com começo, meio e fim.




2 comentários:

Ruy disse...

Puerra!, "seo" Braulio. Eu te leio sempre, cara, e esse texticulo, como se diz, matou a pau. Percebo isso na academia (sou um estudante tardio) e sempre bato de frente com os professores a quem pergunto: por que escrever assim tão rebuscado, para dizer um nadinha?
Continue sempre assim, tascando paletadas nesses narizes empinados.
Ruy.

Braulio Tavares disse...

Algum pessoas têm metade do que é preciso para fazer um escritor: estilo. Falta-lhes a outra metade: imaginaçao narrativa Daí elas vão aplicar esse talento estilístico em atividades como o ensaio acadêmico. Nada contra. É só pegar leve.