quarta-feira, 21 de outubro de 2009

1304) Marinês (18.5.2007)




Durante mais de 50 anos Marinês foi a grande voz feminina do forró. Existem outras cantoras, claro, mas independentemente do seu talento e do seu merecido sucesso, nenhuma delas teve um impacto tão forte e uma presença tão contínua quando a Rainha do Xaxado. Na linha da frente dos grandes forrozeiros, ao lado de gigantes como Jackson, Gonzaga, Dominguinhos, de mulher só tinha ela. 

Num “relise” para seu disco de 1986, Tô Chegando, escrevi: “Estar chegando é um modo de dizer, porque ao longo de 25 anos Marinês sempre esteve na MPB”. A conta era modesta: onde se lê 25 leia-se agora 50, e o sentido fica mais exato. 

Na sua discografia do “Dicionário Cravo Albim On-Line” (http://www.dicionariompb.com.br/), começando em 1957, o único hiato significativo é entre 1988 e 1995 (e mesmo assim a omissão pode ser do saite).

Anos atrás Marinês participou de um show de Elba Ramalho no Canecão, e foi a sensação da noite. Quando as duas cantavam “Amor com Café” de Antonio Barros e Cecéu, a voz de Marinês parecia vir de todas as direções ao mesmo tempo, como se cada mesa tivesse uma caixa-de-som própria. Um grupo de cariocas elegantes sentados na mesa ao lado perguntou: “Meu Deus, onde é que Elba descobriu essa mulher? Como é mesmo o nome dela?” Eu tive vontade de dizer: “Essa mulher vive cantando pelo Brasil afora há cinqüenta anos, vocês é que nunca tiveram a sorte de saber”. 

Todos dependemos do rádio e da TV para saber da existência de um artista. Eu mesmo desconheço milhares de artistas brasileiros em atividade, só porque não aparecem na famigerada “mídia”. Quando eles tiverem 70 anos, nós os ouviremos pela primeira vez e ficaremos admirados: “Como é mesmo o nome dele?”

Vozes potentes como as de Gonzaga e de Marinês surgiram numa época em que as aparelhagens de som eram muito precárias. O cantor muitas vezes era obrigado a cantar “a capella” para uma praça cheia de gente. Na melhor das hipóteses, dispunha de microfones de locutor de rádio, e de amplificação improvisada. 

Daí que muitos cantores tiveram que desenvolver gogó e pulmão para se fazerem ouvir por algumas centenas ou milhares de pessoas ao ar livre. Hoje em dia, qualquer João Gilberto (com todo respeito) sussurra amenidades ao ouvido do microfone e é ouvido por todo o Vale do Anhangabaú. Naquele tempo, meu amigo, quem cantava tinha que cobrir o volume da própria sanfona.

Quando morre um artista, o amor que temos por ele nos leva sempre a achar que ele foi injustiçado, que não obteve todas as honrarias merecidas e todo o sucesso a que tinha direito. Quando George Harrison morreu, um crítico lamentou que ele fosse “o mais obscuro dos Beatles”, como se ser isto fosse pouco. 

Não é arrogância nem ambição, é porque lamentamos que haja gente no mundo que não conheceu aquele talento. Meu consolo egoísta é saber que eu tive este direito. Quando me lembro de Campina Grande, tem sempre um rádio ligado e a voz de Marinês no ar.





Um comentário:

Cris disse...

Sou fã de Elba e há pouco descobri que nascemos no mesmo dia. Lamento nunca ter visto Elis nem Marinês ao vivo, e não canso de ouvi-las. Ninguém estranhe a equiparação. As duas são (no presente, porque graças a deus gente desse naipe não morre) incriveis, na peculiaridade de seus talentos. E - diga-se de passagem - você, Braulio, nada menos. Adicionei o Mundo Fantasmo aos meus favoritos. Abraço.

Cris