quarta-feira, 2 de setembro de 2009

1242) Veneza Submersa (7.3.2007)



O Aquecimento Global criará ainda neste século uma nova modalidade de turismo, o turismo histórico de mergulho submarino. 

A Ciência adverte que, pelo andar da carruagem, nossas cidades litorâneas serão mais cedo ou mais tarde invadidas pelo mar. Imensos tesouros históricos serão submersos – pense Rio de Janeiro, Salvador, Recife. As gerações futuras ouvirão falar nessas cidades míticas que encerram tantas belezas e tantas histórias do passado. 

E tentarão recuperá-las, assim como os cientistas e exploradores de hoje conseguiram localizar o “Titanic”, penetrar dentro dele, filmar seus salões revestidos de lama e coral, seus corredores habitados por peixes cegos, suas suítes de luxo onde hoje dormem os polvos e as medusas.

A civilização terá se refugiado na Serra de Petrópolis. Equipes coordenadas pelos “James Cameron” futuros virão de barco até o litoral, colocarão seus trajes de mergulho e seus balões de oxigênio. Talvez o seu atracadouro fique nas proximidades do Cristo Redentor, que estará então com água pela cintura, e será a única coisa feita pela mão do homem a emergir das águas. E os turistas futuros mergulharão para explorar o Maracanã (já quase transbordando de plancto), para nadar no interior da abóbada da Candelária.

Esta idéia me veio à mente desde que li pela primeira vez o conto de Kim Stanley Robinson “Venice drowned” (1981) em que turistas do futuro mergulham nas águas do Mediterrâneo para contemplar, com possantes lanternas subaquáticas, os tesouros arquitetônicos e pictóricos da antiga capital dos Doges. 

As imagens do conto são arrepiantes quando nos evocam essas Atlântidas do futuro, essas cidades míticas que nossos tatatara-netos conhecerão apenas através de álbuns holográficos e de turnês de realidade virtual. Ouvirão falar do Mercado Modelo de Salvador, do Marco Zero de Recife, e sentirão o impulso de envergar seus aqualungs e disputar espaço com peixes mutantes pelo privilégio de entrar nadando por aquelas janelas, percorrer os corredores.

O próprio Chico Buarque já previu, em “Futuros Amantes” (1993): 

“E quem sabe, então 
o Rio será alguma cidade submersa. 
Os escafandristas virão explorar sua casa, 
seu quarto, suas coisas, 
sua alma, desvãos. 

Sábios em vão tentarão decifrar 
o eco de antigas palavras, 
fragmentos de cartas, poemas 
mentiras, retratos, vestígios de estranha civilização." 

É claro que papéis, telas, quadros, tudo isso será irremediavelmente comprometido. Sobreviverão as obras de arte feitas em matéria mais resistente: escultura, arquitetura. Sobreviverão edifícios cobertos pela hera do lodo, e só em casos raros será possível resgatar e trazer à superfície algum cofre hermeticamente fechado onde acharemos notas de dólar e euro que não valem mais nada, e cartas de amor que valerão uma fortuna.

Pois é, os praieiros de toda parte que se cuidem, porque, como diz aquela música, “o chão do Recife afunda um centímetro a cada gole”.




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