terça-feira, 1 de setembro de 2009

1239) Arquitetura do Cosmos (3.3.2007)



Geoff Manaugh é um arquiteto e leitor de ficção científica cujo blog, (http://bldgblog.blogspot.com/) discute questões de arquitetura, urbanismo e construção numa perspectiva que tem muito a ver (como ele próprio afirma) com a literatura de J. G. Ballard, talvez o autor britânico que mais consistentemente refletiu sobre cidades, máquinas, consumo, indústria cultural. Ballard escreveu Crash, um romance perturbador onde ele mostra personagens que cultivam um fetichismo mórbido por acidentes de automóvel (a versão do cinema tem no elenco James Spader e Rosana Arquette); Concrete Island, história de um indivíduo que sofre um acidente numa auto-estrada e passa a viver num “canteiro”, sem poder atravessar o asfalto onde os carros passam a toda; High Rise, história de um super-edifício gigantesco e seus enxames de habitantes; e muitos outros. Ballard é um crítico da civilização industrial, e suas idéias podem ser encontradas em vários lugares, entre eles o saite “Ballardian” (http://www.ballardian.com/), que transcreve o texto de Manaugh.

O qual diz: “O que quero dizer é que, em qualquer discussão sobre arquitetura, existem estes buracos inevitáveis através dos quais vislumbramos outras coisas que se supõe estarem fora dos domínios da arquitetura. A força da gravidade, por exemplo, porque estamos calculando cargas e pesos; ou placas tectônicas, caso estejamos projetando um edifício numa zona sujeita a terremotos como é o caso de Tóquio, Los Angeles, Istambul. Por falar nisso, precisamos sempre decidir onde colocar as janelas, e é aqui que entra o movimento do Sol, o que nos leva a falar de astronomia, rotação da Terra, solstícios, equinócios, constelações. Logo estamos discutindo o clima, a topografia, e até mesmo engenharia florestal e botânica, comércio e leis trabalhistas, economia global... A lista se expande e se expande até que todas as coisas no diabo deste Universo têm algo a ver com a arquitetura”.

Eu diria que graças à literatura de Ballard, um dos mais abrangentes e perceptivos escritores da FC, Manaugh alcança o que eu chamaria de visão literária da arquitetura. A arquitetura vista não apenas como a execução de uma tarefa técnica, mas como o resultado de um ping-pong constante entre o indivíduo e o Universo, entre o que faço aqui e agora, o que acontece no resto do planeta, e o que aconteceu nele durante os últimos anos ou séculos. Saber que tudo está interligado pode ter um efeito emudecedor sobre um técnico ou um artista; mas pode também ajudá-lo a ter uma liberdade que jamais poderá ser alcançada por quem se limita a aplicar o manual, seguir as regras e cumprir o contrato. Nunca podemos exercer esta liberdade o tempo inteiro; raros artistas conseguem. Mas saber que ela existe é meio caminho andado, se o que pretendemos é, mais do que simplesmente executar e repetir, trazer uma idéia nova, uma nova resposta, ou simplesmente uma nova pergunta.

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