quarta-feira, 5 de agosto de 2009

1176) Mestre Sivuca (20.12.2006)




Num ambiente ruidoso como o da música popular, Sivuca era uma presença de poucos decibéis. Sempre tranqüilo, de fala mansa, não fazia nenhum alarido. Mesmo tendo opiniões claras e posições firmes, não dava entrevistas bombásticas, não se envolvia em polêmicas. 

Só se tornava o centro das atenções quando empunhava (ou melhor, sobraçava) o instrumento e fazia brotar dele um niágara de melodias que pareciam estar apenas esperando seu toque nas teclas para brotarem já prontas, irretocáveis.

Lembro de ouvir, na infância, meus pais comentando terem visto Sivuca tocar nas festas do extinto Campinense Clube, ali na Praça Coronel Antonio Pessoa, e de tê-lo visto tocando na Praça da Bandeira, em algum comício ou festa popular. 

O primeiro show dele que vi pra valer foi o seu encontro histórico com Hermeto Paschoal, no Teatro Castro Alves de Salvador, lá pelo fim dos anos 1970. Show inesquecível, pelo jogo extremo de semelhanças e diferenças entre os dois grandes artistas. 

Sivuca era o apolíneo, o clássico, o executante que consegue a façanha de caminhar sobre as águas da perfeição. 

Hermeto era o dionisíaco, o romântico, o vanguardista que experimenta tudo e joga suas criações para o alto, para ver quantas delas conseguem cair de pé e sair andando. 

Juntos, no palco, idênticos e distintos, pareciam dois irmãos gêmeos que foram criados em planetas diferentes.

Foi a época do seu disco famoso com Rosinha de Valença, em que o Brasil inteiro ficou conhecendo seu arranjo multi-nacional para “Vassourinhas” (em forma de música indiana, escocesa, argentina, francesa, etc.) e ouviu pela primeira vez a obra-prima “Feira de Mangaio”, sua mais bela parceria com Glorinha. 

Para a crítica musical brasileira, que chegara às redações quando ele estava fora do Brasil, Sivuca foi uma revelação, mostrando, de um momento para o outro, ser um coringa capaz de fazer forró, jazz, frevo, valsa, o escambau. 

Para nós, paraibanos, ele era gente de casa, carta antiga do baralho, uma espécie de rei-de-ouros capaz de transformar em Arte tudo que tocava.

A sanfona de Sivuca tinha um milhão de teclas. Eu, coitado, vivo aqui batendo em três ou quatro. Uma delas (que meus leitores já conhecem de sobra) é a quantidade de meninos de gênio que vivem de bobeira por aí, Paraíba afora, doidos que alguém lhes dê uma luz, um instrumento, uma informação. 

Numa entrevista, Sivuca disse uma vez que na sua casa, na infância, não se ouvia música porque não tinha eletricidade; ele só via às vezes alguém tocando violão, ou um sanfoneiro itinerante que passava por lá. O jornalista pergunta-lhe o que faltava e ele diz: “Faltava informação somente”. 

Faltava a possibilidade de acessar o mundo. Quando essa possibilidade surge, o mundo fica sabendo, como soube com Sivuca, do que são capazes os nossos pequenos paraibanos, os nossos meninos e meninas que, no final das contas, são a coisa mais valiosa com que a pequenina Paraíba pode contribuir para enriquecer o mundo.





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