sexta-feira, 17 de julho de 2009

1160) A revelação estética (1.12.2006)




Os manuais de estética citam uma idéia de Platão segundo a qual a obra de Arte produz em nós um efeito de “reminiscência”. Para Platão, existe para além deste nosso mundo um mundo ideal das coisas perfeitas, e o que vemos aqui são apenas reflexos, variações rudimentares dessas Idéias. 

Platão tem muitos seguidores, principalmente entre os filósofos que acreditam em Deus; já os agnósticos tendem a ser aristotélicos. Mas mesmo seus admiradores têm dúvidas. 

Jorge Luís Borges, que com freqüência é platônico até a medula (ou, pelo menos, finge sê-lo como recurso ficcional), indaga-se às vezes se no mundo transcendental existe o Cachorro Ideal ou se lá também temos o Buldogue Ideal, o Pitbull Ideal, o Lulu-da-Pomerânia Ideal, o Vira-Latas Ideal...

Platonismo à parte, as grandes obras de Arte nos produzem de fato uma sensação de reconhecimento. Como se estivessem nos dizendo algo que a gente já percebia, mas não era capaz de dizer. Daí, talvez dizer-se que o poeta é o “porta-voz” do povo. A Idéia expressa pelo artista já existe, de certa forma, no consciente ou no inconsciente daqueles que entram em contato com sua obra. 

Não cabe aí, portanto, falar de “reminiscência” , mas de “revelação”. A obra de arte não nos faz recordar algo que nossa alma conheceu num mundo preternatural anterior ao nosso nascimento. Ela apenas nos revela modos de ver, de pensar e de sentir cujas condições básicas já trazíamos dentro de nós, mas de maneira incompleta. 

Temos o dicionário, por assim dizer, as palavras isoladas, mas não chegamos a compor a frase. Quem fez isto foi o artista.

Isto se casa de certa forma com uma velha lei do Materialismo Dialético. Marx e Engels diziam que cada época histórica só coloca para si própria os problemas que pode resolver. A crise e a solução da crise brotam juntas em cada momento da História. 

Dá-se o mesmo das obras de arte, com mais flexibilidade por ser ela uma realização individual. O artista percebe uma relação complexa entre formas de dizer e coisas a serem ditas. Quando seus contemporâneos são capazes de entender e valorizar as soluções estéticas que ele encontrou, ele alcança um sucesso comparável ao de Mozart em Viena em 1780 ou de Chico Buarque no Brasil em 1967. 

Quando ele resolve tais problemas mas não há muita gente capaz de entender o que ele fez, ele torna-se um “gênio póstumo”, cuja revelação estética, na mente do público, só se produz depois que ele está morto e enterrado. Ou nunca.

Uma obra de arte produz uma série de revelações. 

O artista tem a revelação “de como fazer”, aquele “eureka!” de quando a gente tem uma idéia luminosa. 

O público tem a revelação daquela obra específica, do que ela tem para lhe mostrar de novo sobre o mundo. 

E séculos depois o historiador da arte tem a revelação sobre aquele momento da história, em que uma grande idéia brilhou pela primeira vez, em que todo mundo começou a ouvir falar num tal de Beethoven, num tal de Michelangelo.







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