quinta-feira, 2 de julho de 2009

1142) A arte acadêmica (10.11.2006)




("Crepúsculo" de Winston Churchill)

Pittigrilli era um escritor italiano muito popular nos anos 1950. Suas obras foram publicadas no Brasil pela antiga Editora Vecchi. Humorista ferino, contista malicioso, e um grande fazedor de frases.

Ele dizia não entender por que motivo as pessoas, diante de um belo por-do-sol, exclamavam: “Que coisa linda! Parece uma pintura!” e diante da pintura de um por-do-sol diziam: “Que coisa linda! Parece de verdade!”.

Nosso condicionamento visual (hábito de olhar quadros) e intelectual (assimilação semi-consciente de regras estéticas sobre o que é bonito e o que não é) cria um estilo que podemos chamar de Beleza Confortável. É um tipo de arte que não incomoda, não assusta, não desconcerta, não nos faz parar para pensar duas vezes, não nos pergunta o que achamos.

Vemos uma pintura acadêmica mostrando um por-do-sol, um grupo de ninfas saltitando no bosque, uma bandeja com maçãs junto a um vaso de flores... e basta dizermos: “Que bonito!”

A Beleza Confortável é a média aritmética entre o por-do-sol que parece uma pintura e a pintura que parece um por-do-sol. É um modelo estético que se ajusta sem esforço às nossas expectativas – desde que elas sejam, é claro, intuitivas, pouco pensadas e pouco dispostas a se aprofundar no assunto.

A Beleza Confortável é uma das grandes conquistas do Academicismo, aqui entendido como a arte de bordar repetições em torno do que já foi descoberto, eximindo-se ao mesmo tempo da obrigação de descobrir uma novidade, por mínima que seja.

Pittigrilli não era um semiótico, mas um conterrâneo seu que é, chamado Umberto Eco, pôs em circulação um termo muito útil, num ensaio onde ele comparava a arte nazista e o Realismo Socialista soviético, que eram iguaizinhos.

Eco fala do “Academismo Especulativo”, aquele grande número “de pintores falidos, de especialistas de oleografia, de pincéis voltados à decoração de caixas de pó-de-arroz e de bombons, que encontram inesperadamente um mercado político: os hierarcas que se deliciam com os nus de fundo mitológico”.

Chama-se de realismo a este tipo de arte porque as coisas pintadas não contradizem a imagem visual que temos das coisas reais – se bem que uma pessoa que conhecesse apenas as coisas, e não tivesse noções de pintura acadêmica, talvez visse nelas uma variante do jogo-dos-7-erros.

São, diz Eco, os “miseráveis pintores de fim de semana que, cientes do fato de que o Regime gosta de barcaças, serrarias, minas, colocam seus pobres e inábeis pincéis a serviço de uma deprimente e monótona paisagística”.

Estes artistas se esmeram em representar “senhoras louras no banho, trabalhadores musculosos e suados, soldados com o maxilar quadrado, velhos camponeses amorosamente absortos no cultivo de alimentos, paisagens agrestes sulcadas por estradas e pontes com muitos arcos, maquetes de cidades do futuro retangulares e imponentes”. 

É o apogeu das formas facilmente reconhecíveis, aquelas que as ditaduras costumam convocar para conduzir suas mensagens.





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