domingo, 28 de junho de 2009

1137) “Eu me lembro” (4.11.2006)



Está em cartaz em algumas cidades brasileiras este filme de Edgar Navarro. Para quem participou do movimento superoitista e de curta-metragem nos anos 1970 e seguintes, Navarro é um nome difícil de esquecer. Seu curta mais famoso (na verdade um média-metragem) era até agora O Superoutro, que lhe valeu prêmios e elogios por onde foi exibido. Seu primeiro impacto foi com o super-8 O Rei do Cagaço, exibido na Jornada de Curta-Metragem de Salvador, e que proporcionou àquela platéia um dos impactos mais inesquecíveis e perturbadores que um filme pode proporcionar.

Eu me lembro ganhou numerosos prêmios no Festival de Brasília do ano passado, entre eles o de “Melhor Filme”, além do de melhor atriz para a atriz campinense Arly Arnaud, que muitos leitores desta coluna conhecem pessoalmente. Lili faz o papel da mãe do protagonista e está ótima em todas as cenas que aparece, embora seu personagem morra lá pela metade do filme. O roteiro tem um lado autobiográfico: Edgar conta a história de sua geração, cuja infância ocorreu na década de 50, dentro de uma estrutura familiar sufocante mas cheia de mistérios e descobertas, e que se tornaram adultos durante os anos 1960, na época da ditadura militar e do “desbunde” do sexo, drogas e rock-and-roll. É um filme de ajuste de contas com o passado, mas, como em Fellini (cujo Amarcord é evocado até no título), um ajuste de contas com ironia mas sem amargura, com saudade mas sem sentimentalismo, com perplexidade mas com sabedoria.

Brigas familiares, segredos sexuais, pequenas tragédias, numerosas comédias, tudo que pode aparecer no balanço de uma vida da classe média brasileira se sucede, num roteiro fragmentado e cheio de achados brilhantes, contando com a força de um ótimo elenco. Isto é o Brasil, pensamos, diante de cinco, dez, vinte pequenas cenas ou situações que reconhecemos de nossa própria vida. Isto é o Brasil, pensamos também quando vemos um diretor de mente inquieta e brilhante estrear no longa-metragem aos 57 anos, idade em que muitos já se aposentaram.

A geração de Edgar Navarro, que é a minha, foi uma das primeiras a se beneficiar deste fenômeno sociológico das últimas décadas: a Ditadura da Juventude. Não a ditadura dos jovens, porque estes mandam menos ainda do que mandavam naquele tempo. Mas a ditadura do conceito da Juventude como bem supremo, como destino a ser invejado. O meio de expressão por excelência desses jovens foi a música popular. Aqueles cujo talento os destinava para o cinema tiveram que amadurecer na treva, produzindo fragmentos de uma obra a que não conseguiam dar continuidade. Edgar Navarro estréia no cinema comercial com um trabalho que ainda tem algo da irreverência e do escândalo que tornaram famosos seus curtas, mas que já se contamina da sabedoria conquistada na sombra, no silêncio e na solidão. Talvez venha daí essa mistura, que tem seduzido as platéias. Parece um filme feito a quatro mãos por um pai e um filho.

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