domingo, 21 de junho de 2009

1107) Erros criadores (2.10.2006)




Iron Butterfly foi uma fugacíssima banda de heavy metal cujo disco In-A-Gadda-Da-Vida ouvi muito nos anos 1970. O nome da banda tinha um curioso paralelismo com o do Led Zeppelin, mas nunca entendi o significado do nome do disco até ler que o título, extraído da faixa mais longa, pretendia ser “In the Garden of Eden”, mas os músicos estavam tão chapados durante a gravação e com a voz tão pastosa que os técnicos assim anotaram, e assim ficou, forever.

Erros criadores estão por trás de muita coisa que só vemos depois de pronta e não entendemos como chegou a ser assim. Alguém conhece um pássaro chamado “assum”? Não vale falar em “Assum Preto”, porque já me foi garantido que o pássaro na verdade é “anum preto”, e o título da música, escrito a mão, gerou por erro de leitura esse pássaro imaginário que, “não vendo a luz, canta de dor”. Não acho que a versão seja fantasiosa.

Ocorreu a mesma coisa na feitura do disco Paê-Birú, que Zé Ramalho e Lula Cortes gravaram nos anos 1970. Queriam saber como era o nome indígena do “Caminho da Montanha do Sol”. Raul Córdula informou por telefone que era “Pê-á-Birú”, mas alguém copiou errado e o resto é História.

Me contaram que o cartunista Henfil visitou certa vez, em Vitória da Conquista, o músico Elomar, que o encantou com sua criação de bodes e suas canções trovadorescas, que ele pensava em reunir num espetáculo intitulado o Auto da Caatinga. Henfil voltou para o Rio fascinado, criou o personagem Bode Orellana (que comia livros para ficar intelectual) e morava num lugar chamado “Alto da Caatinga” (que hoje dá 285 menções no Google, contra zero do “Auto”, que ao que parece nunca saiu do papel).

Baseado numa tradução equivocada da palavra “raios de luz”, Michelangelo esculpiu um par de chifres na cabeça de sua famosa estátua de Moisés. As luminosas emanações divinas se converteram nesse acessório cáprico, que nos séculos seguintes forneceu munição para teorias satanistas e o escambau.

Dizem que as descontraídas entrevistas do Pasquim surgiram de um erro de transcrição. A primeira delas, com Ibrahim Sued, teve suas fitas copiadas na íntegra pelas secretárias, com todas as hesitações, palavrões, bate-bocas, risos, erros, correções em voz alta. Por descuido, não passou por copidesque, e foi publicada na íntegra. Revolucionou a imprensa brasileira.

Num ensaio sobre Alain Resnais, o crítico Jonathan Rosenbaum, do Chicago Reader, comenta que uma confusão involuntária entre os nomes do dramaturgo Henry Bernstein e do maestro Leonard Bernstein acabou ditando o estilo do filme Mélo, que Resnais dirigiu em 1986. Rosenbaum chama a isto “desvio criativo” (“creative indirection”): é quando estamos indo numa direção, pegamos um desvio por engano, e acabamos chegando num lugar diferente do que pretendíamos, mas muito mais interessante. Ou, pelo menos, depois do fato consumado só nos resta dar de ombros e sacramentar: “Deixa, não mexe não, ficou bem melhor assim”.




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