quinta-feira, 18 de junho de 2009

1095) A sertanização das cidades (19.9.2006)




(ruínas de Canudos)


A falada modernização por que o Brasil começou a passar a partir da Revolução de 1930 envolveu, segundo se comenta nos livros de História, o esvaziamento do poder das aristocracias rurais e o crescimento da burguesia urbana. 

No Brasil daquele tempo, coronéis e caudilhos interioranos mandavam em seus feudos, e, quando necessário, confrontavam o Poder político constituído. As mudanças econômicas da Era Vargas pulverizaram o poder dessas elites e alimentaram um crescimento urbano que conseguiu (em meados da década de 1970) inverter a balança populacional do Brasil: pela primeira vez tínhamos (e temos até hoje) mais pessoas morando nas cidades do que no campo.

Este breve resumo concentra, a meu ver, uma das muitas faces de nossa tragédia social. Quando se fala em “modernização” está-se indicando um conjunto de modos de ver, de ser e de agir que surgiu em tempos mais recentes para suplantar (por ser mais evoluído, supõe-se) os modos anteriores. 

Novas relações econômicas no trabalho, novas formas de representatividade política e distribuição dos poderes, novos instrumentos de controle da população por parte do Estado e vice-versa. 

Esses “novos modos”, por definição, eram gerados nas metrópoles e tenderiam a se espalhar pelo meio rural até chegar aos recantos mais remotos, quando, então, o País inteiro estaria modernizado. Seria, em tese, um processo de urbanização do Sertão.

Ora, olhando em torno, hoje, vemos que o que aconteceu foi exatamente o contrário. 

Houve um momento (na verdade, inúmeros momentos) em que essa bem-intencionada “modernização” deu com os burros nágua. 

Um dos motivos: para que ela não estancasse seria preciso transferir educação, renda e poder político para enormes massas de gente, e isto foi sumariamente riscado desse programa de modernização iniciado pelas nossas elites.

Estancada no meio do caminho, a modernização não chegou até o campo, a não ser em algumas regiões, através das culturas intensivas de exportação. E chegou “aos mais remotos rincões” sob a forma de telecomunicações voltadas para o louvor e a glória dos valores urbanos. 

Começou a migração para os grandes centros, em busca de emprego, riqueza, felicidade. E em vez da urbanização do Sertão temos hoje a sertanização das cidades. As elites urbanas vêem-se cercadas por cinturões de pobreza, dos quais se distanciam mais e mais, economicamente, a cada década que passa. 

Esta situação surrealista inverte a epopéia de cem anos atrás. Em vez do Governo cercar Canudos, Canudos veio cercar o Governo. 

Nos morros e nas periferias, acumulou-se uma multidão tragicamente despojada dos valores que tinham em seu lugar de origem, e expostas ao que a metrópole tem de pior. 

Em vez de fenômenos como o cangaço e o messianismo, que antes eram gerados de sua própria cultura, essa Canudos sem Conselheiro é presa fácil da violência mercantilista do tráfico de drogas, e do messianismo mercantilista das igrejas de ocasião.





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