domingo, 7 de junho de 2009

1079) Dirac e Forster (31.8.2006)




(Paul Dirac, E. M. Forster)

O físico Paul Dirac foi um sujeito meio caladão, o tipo do cientista distraído e ensimesmado. Uma vez foi à União Soviética para dar uma palestra sobre “A Filosofia da Física”. Ele foi ao quadro-negro e escreveu: “As leis físicas devem ter beleza matemática e simplicidade”. E nada mais disse nem lhe foi perguntado. Não precisava, né? 

Dizem que é dele também uma definição famosa sobre a diferença entre Ciência e Poesia: “Ciência consiste em dizer às pessoas, de modo a ser entendido por todas elas, alguma coisa que ninguém tinha pensado antes. Poesia consiste em fazer o contrário disto”. E por mim está uma definição de bom tamanho.

A Ciência procura a beleza, a simplicidade, a clareza. As definições científicas parecem difíceis para leigos como nós porque são uma linguagem, e qualquer linguagem precisa ser aprendida para que se consiga perceber o que tem de novo ou de belo. Expor leis científicas é dizer algo que ninguém tinha sabido ainda, e dizê-lo de uma maneira clara, simples, inteligível. 

Já a Poesia consiste em revelar sentimentos e idéias que fazem parte do enorme tumulto semi-consciente em que qualquer ser humano medianamente lúcido vive mergulhado, e fazer essa revelação de uma maneira simultaneamente clara e obscura, cheia de revelações mas ao mesmo tempo cheia de mistérios, dizendo alguma coisa que nos parece inestimavelmente valiosa mas ao mesmo tempo mostrando que nem tudo ainda foi dito, e que a cada vez que retornarmos àquele texto talvez haja uma revelação nova à nossa espera.

Diz-se que certa vez amigos da Universidade de Cambridge viram no escritório de Dirac um exemplar do romance de E. M. Forster Passagem Para a Índia, e patrocinaram o encontro entre o físico e o escritor, que era 23 anos mais velho. 

Os dois puseram-se a tomar chá, sem dizer nada, até que a certa altura Dirac perguntou; “Afinal o que aconteceu na caverna?”, ao que Forster respondeu: “Não sei”. E a conversa terminou aí. 

Dito assim, a seco, o episódio parece um desencontro, mas eu não acho. Todos dois sabiam que estavam lidando com categorias semelhantes de fenômenos. A pergunta de Dirac se refere ao episódio central do romance, quando uma jovem inglesa, em passeio pela Índia, é acompanhada por um guia local até o interior de uma caverna. Algum tempo depois ela foge dali, meio histérica, dizendo que ele tentou violentá-la. O indiano se defende, dizendo que não tentou nada, e acaba indo a julgamento.

Para Forster, mais importante do que dizer se a tentativa de estupro acontecera ou não era deixar o episódio envolto numa zona de mistério, para que o livro admitisse sempre duas leituras contraditórias, mutuamente excludentes. 

É mais ou menos o que faz a Física Quântica, de que Dirac foi um dos criadores. Existem aspectos da Natureza que nunca sabemos se são assim ou assado, e o modo que escolhemos para examiná-los determina a resposta que vamos obter. O que há dentro da caverna? Aquilo que fomos procurar.






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