domingo, 12 de abril de 2009

0970) Crash – No Limite (26.4.2006)



Este filme de Paul Haggis (Oscar de Melhor Filme de 2005) tem uma estrutura que parece estar sendo cada vez mais utilizada, principalmente por diretores americanos. Sem pesquisar mais fundo, lembro-me de Short Cuts – Retratos da Vida de Robert Altman (1993) e Magnólia de Paul Thomas Anderson (1999). São grupos de personagens cujas histórias vão sendo contadas de forma intercalada, num incessante ping-pong de A para B, daí para C, para D, de volta A, e aos poucos incluindo o alfabeto inteiro. Em Crash, brancos, negros, chicanos e orientais se entrechocam nas ruas de Los Angeles, e faíscas de preconceito étnico explodem em todas as direções.

Histórias assim, baseadas em encontros casuais, costumam abusar das coincidências. Em Crash a maioria delas é aceitável; a mais forçada é talvez a mais dramática, quando um policial chega ao local de um acidente de carro e precisa retirar de um carro capotado a mesma mulher que ofendeu dias antes, durante uma blitz. Mais relevantes do que as coincidências são os mal-entendidos, aquelas situações em que duas pessoas inocentes se agridem mutuamente por mero preconceito e pelo medo irracional em relação a pessoas de outro grupo étnico.

Situações assim lembram uma conhecida receita de suspense de Alfred Hitchcock. Dizia ele: “Dois homens almoçam num restaurante. De repente, uma bomba explode embaixo da mesa. Não há suspense. Mas se durante o almoço mostramos a bomba fazendo tic-tac embaixo da mesa, há suspense”. O mesmo vale para estas situações dramáticas em que dois personagens se confrontam sem se conhecer. O potencial dramático de situações assim vem da onisciência do espectador, da nossa percepção de que eles estão “cegos” em relação um ao outro. Sabemos o que cada um pensa, e do que é capaz, mas eles não sabem.

Crash tem um roteiro eficaz nesse tratamento em ping-pong, em que várias situações vão sendo preparadas ao longo da narrativa e só são completamente esclarecidas bem à frente. Há um quê de melodrama em algumas situações, um melodrama que força a mão no maniqueísmo comum a histórias que pretendem transmitir uma mensagem de ordem moral. Obedientemente, compadecemo-nos dos personagens bonzinhos, e torcemos o canto da boca para os personagens cínicos ou cruéis. Crash tem material humano em número e em natureza suficiente para render uma minissérie, e o fato de comprimir todas as suas histórias em apenas 112 minutos acaba não apenas ratificando a competência de quem o dirigiu e escreveu, como também evitando que o espectador preste demasiada atenção nas comodidades dramáticas de que a história se vale. O Oscar que lhe foi atribuído pode se dever, em grande parte, como alguns críticos observaram, ao fato de que sua descrição de Los Angeles tocou fundo na sensibilidade dos membros da Academia. Não é um grande filme, mas para quem mora ali e cruza nas ruas com aquele pessoal, é decerto um filme importante.

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